quinta-feira, 10 de novembro de 2011

O contrato de locação, por si só, não tem força executiva para ser levado ao protesto.


Luiz Carlos Nogueira

nogueirablog@gmail.com

Segundo o entendimento da maioria dos ministros da 5ª turma do STJ, um contrato de locação de prédio urbano, por si só não tem força executiva que autorize levá-lo ao protesto, porque esse documento não traz em si a certeza da liquidez e conseqüente exigibilidade, embora a ministra Laurita Vaz, relatora do recurso, tivesse considerado que: o STJ “possui jurisprudência remansosa no sentido de atribuir ao contrato de locação a natureza de título executivo extrajudicial”.

A relatora disse ainda, que: “a melhor interpretação a ser adotada quanto à ‘vexata quaestio’ é aquela segundo a qual o legislador, quando estendeu para além dos títulos de cambiários, a possibilidade de protesto de ‘outros documentos de dívida’, teve a intenção de que fazê-lo também para abarcar os títulos executivos judiciais e extrajudiciais previstos na Lei Adjetiva, inserido, nessa hipótese, o contrato de locação.”

Todavia, o Desembargador convocado, Adilson Vieira Macabu, no seu voto, divergiu da relatora, dizendo ser evidente que o contrato de locação de imóvel apresentado, “embora possa ser considerado título com o atributo da certeza, em decorrência da determinação cogente da norma legal, bem como demonstrar ser extensível sua condição de exigibilidade pela presunção de que houve o vencimento da dívida, seguramente não se reveste do atributo da liquidez, restando, assim, inviável a possibilidade de sujeitar-se ao instituto do protesto, como pedido pelo credor”. [...]
“Com efeito, é possível o protesto de título extrajudicial, embora não de qualquer título, porquanto há a necessidade da liquidez e certeza da dívida, o que não se alcança em contrato de locação”.

Assim, os outros ministros componentes do colegiado seguiram o entendimento do desembargador Macabu, resultando no seguinte acórdão:





RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA Nº 17.400 - SP (2003⁄0204744-1) (f)

RELATORA

:

MINISTRA LAURITA VAZ

R.P⁄ACÓRDÃO

:

MINISTRO ADILSON VIEIRA MACABU (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ⁄RJ)

RECORRENTE

:

SELAL NEGÓCIOS E PARTICIPAÇÕES LTDA

ADVOGADO

:

ANDRÉ SHODI HIRAI E OUTRO

T. ORIGEM

:

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

IMPETRADO

:

CORREGEDOR GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

RECORRIDO

:

FAZENDA DO ESTADO DE SÃO PAULO

PROCURADOR

:

LUÍS CLÁUDIO MANFIO E OUTRO(S)

EMENTA

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. PROTESTO DE CONTRATO DE LOCAÇÃO DE IMÓVEL. PERMISSÃO AOS TABELIÃES DE PROTESTOS DE LETRAS E TÍTULOS DA COMARCA DE SÃO PAULO. CANCELAMENTO. ATO DE CORREGEDOR GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO. DIREITO LÍQUIDO E CERTO. INEXISTÊNCIA. EXIGÊNCIA DE QUE O TÍTULO EXECUTIVO CONTENHA OBRIGAÇÃO PECUNIÁRIA LÍQUIDA, CERTA E EXIGÍVEL. CONTRATO DE LOCAÇÃO. INEXISTÊNCIA DE LIQUIDEZ. RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA DENEGADO.

1. Com efeito, tem-se que o contrato de locação foi caracterizado pela legislação como título executivo extrajudicial, transmutando-o com força executiva. Contudo, o protesto será devido sempre que a obrigação expressa no título for líquida, certa e exigível.

2. Na hipótese dos autos, o contrato de locação de imóvel apresentado evidencia ser título com o atributo da certeza, em decorrência da determinação cogente da norma legal, bem como também demonstra possuir exigibilidade, por presunção de que houve o vencimento da dívida, sem revestir-se, no entanto, do atributo da liquidez, fato que inviabiliza o protesto do referido título.

3. Recurso em Mandado de Segurança a que se nega provimento.

ACÓRDÃO

Prosseguindo no julgamento, vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Senhores Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por maioria, em negar provimento ao recurso, nos termos do voto do Sr. Ministro Adilson Vieira Macabu (Desembargador Convocado do TJ⁄RJ), que lavrará o acórdão.

Votaram com o Sr. Ministro Adilson Vieira Macabu (Desembargador convocado do TJ⁄RJ) os Srs. Ministros Napoleão Nunes Maia Filho e Jorge Mussi.

Votou vencida a Sra. Ministra Laurita Vaz, que dava provimento ao recurso.

Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Gilson Dipp.

Brasília-DF, 21 de junho de 2011 . (Data do Julgamento)

MINISTRO ADILSON VIEIRA MACABU

(DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ⁄RJ)

Relator

RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA Nº 17.400 - SP (2003⁄0204744-1) (f)

RECORRENTE

:

SELAL NEGÓCIOS E PARTICIPAÇÕES LTDA

ADVOGADO

:

ANDRÉ SHODI HIRAI E OUTRO

T. ORIGEM

:

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

IMPETRADO

:

CORREGEDOR GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

RECORRIDO

:

FAZENDA DO ESTADO DE SÃO PAULO

PROCURADOR

:

LUÍS CLÁUDIO MANFIO E OUTRO(S)

RELATÓRIO

A EXMA. SRA. MINISTRA LAURITA VAZ:

Trata-se de recurso ordinário em mandado de segurança interposto por SELAL NEGÓCIOS E PARTICIPAÇÕES LTDA, com fundamento no art. 105, inciso II, alínea b, da Carta da República, em face de acórdão prolatado pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que denegou a ordem pleiteada, nos termos da seguinte ementa, litteris:

"MANDADO DE SEGURANÇA – Impetração contra ato que determinou o cancelamento de protesto – Decadência – Não caracterizada – Pedido que foi protocolado dentro do prazo de 120 dias – Direito líquido e certo – Inexistente – O contrato de locação não tem por si só força executiva, das conseqüências que poderão advir com o protesto – Não está fora de propósito o entendimento do impetrado, no sentido de que não foi permitido um protesto amplo, de todos e quaisquer títulos extrajudiciais, agindo então com a devida cautela – Preliminar rejeitada e segurança denegada." (fl. 265)

Irresignado, o Recorrente interpõe o presente recurso, alegando que "[...] o ato administrativo de se proibir todo e qualquer protesto de documentos que não sejam títulos de crédito, bem como a determinação do cancelamento daqueles já efetuados, é ato contrário à Lei Federal nº 9.492⁄97 e à Lei Estadual n.º 10.710⁄00 e, portanto, ofensivo ao princípio da legalidade estatuído no art. 37 da Constituição Federal, devendo, por isso, ser anulado e voltar a prevalecer a decisão anterior proferida pelo MM Juiz Corregedor Permanente dos Tabeliães de Protesto." (fl. 281).

Apresentadas contrarrazões (fls. 291⁄293) e admitido o recurso ordinário na origem (fl. 300), ascenderam os autos a esta Corte.

Instado a se manifestar, o Ministério Público Federal apresentou parecer (fls. 304⁄307), opinando pelo desprovimento do recurso.

É o relatório.

RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA Nº 17.400 - SP (2003⁄0204744-1) (f)

VOTO VENCIDO

A EXMA. SRA. MINISTRA LAURITA VAZ (Relatora):

A Impetrante encaminhou contrato de locação (fls. 50⁄56) a protesto perante o 8.º Tabelião de Protesto de Letras e Títulos de São Paulo. O mencionado procedimento foi realizado em 10⁄10⁄2001 (fl. 26).

Todavia a Corregedoria Geral da Justiça do Tribunal a quo, por meio de ato datado de 10⁄05⁄02 (fl. 25), tornou sem efeito a autorização anteriormente concedida para que pudessem ser realizados protestos de contratos de locação, determinando também o cancelamento daqueles que haviam sido lavrados durante a vigência da citada permissão.

Inconformado, o ora Recorrido impetrou mandado de segurança contra o mencionado ato, alegando, em síntese, que o contrato de locação, nos termos da Lei Federal n.º 9.492⁄92 e da Lei Estadual n.º 10.710⁄00, deve ser considerado como "outro documento de dívida" e, nessa qualidade, pode, sim, ser levado a protesto.

O Tribunal a quo, negou a segurança, forte nos seguintes argumentos, in verbis:

"[...]

Inegável que a legislação referida deu uma abertura maior para protesto de títulos, abrangendo até extrajudiciais.

Todavia, não se consegue bem apurar o alcance, ou seja, se somente para fins falimentares, cuidando a lei estadual de custas e emolumentos, ou de forma bem abrangente, inclusive quando a base é apenas dos documentos trazidos pela parte, considerando como título extrajudicial.

Cuida-se como se vê e os autos mostram, de assunto polêmico, com divergência de entendimento, considerando então a douta Corregedoria, após estudo e manifestações, que havia necessidade de haver expressa previsão normativa no direito positivo, para se saber quais os títulos extrajudiciais que poderiam ser objeto de protesto.

Não se pode esquecer que o contrato de locação não tem por si só força executiva, das conseqüências que poderão advir com o protesto, sendo os documentos encaminhados apenas por uma das partes.

Em vista disto e o que se encontra na legislação referida, não está fora de propósito o entendimento do impetrado, no sentido de que não foi permitido um protesto amplo, de todos e quaisquer títulos extrajudiciais, agindo então com a devida cautela.

Logo, desde que expressamente não ficou estabelecido que o contrato de locação de imóvel deveria ser considerado como título executivo extrajudicial hábil a ser protestado, não se pode dizer que o ato praticado violou um direito do impetrante, sendo que foi dada uma interpretação viável ao assunto.

Por via de conseqüência, não se enxerga direito líquido e certo a ser amparado pelo 'mandamus'.

Nesta conformidade, denega-se a segurança." (fls. 266⁄268; sem grifos no original.)

Daí a interposição do presente recurso ordinário em mandado de segurança.

Feita essa breve resenha fática, passo ao deslinde da controvérsia.

De plano, esclareço que o Código de Processo Civil, aponta, entre outros, os seguintes títulos executivos extrajudiciais, in verbis:

"Art. 585. São títulos executivos extrajudiciais:

[...]

V - o crédito, documentalmente comprovado, decorrente de aluguel de imóvel, bem como de encargos acessórios, tais como taxas e despesas de condomínio;" (grifei)

Nessa linha, esta Corte Superior de Justiça possui jurisprudência remansosa no sentido de atribuir ao contrato de locação a natureza de título executivo extrajudicial.

Ilustrativamente:

"AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. LOCAÇÃO. RESPONSABILIDADE DO FIADOR. TERMO FINAL. CLÁUSULA. EXISTÊNCIA. ENTREGA DAS CHAVES. PRECEDENTES DESTA CORTE. CONTRATO DE LOCAÇÃO. NATUREZA. TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL.

[...]

4. Nos termos do art. 585, V, do CPC, constitui título executivo judicial o contrato de locação escrito, devidamente assinado pelos contratantes, mormente quando, como na hipótese dos autos, acompanhado de planilha pormenorizada dos débitos cobrados. Precedentes do STJ.

5. Agravo Regimental a que se nega provimento." (AgRg no Ag 1.244.459⁄PR, 6.ª Turma, Rel. Min. OG FERNANDES, DJe de 09⁄03⁄2011.)

"DIREITO CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. LOCAÇÃO. EMBARGOS À EXECUÇÃO. CERCEAMENTO DE DEFESA E EXCESSO DE EXECUÇÃO. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. SÚMULAS 282 E 356⁄STF. MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. EXAME. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7⁄STJ. CONTRATO DE LOCAÇÃO E CARTA-FIANÇA. TÍTULOS EXECUTIVOS EXTRAJUDICIAIS. BENEFÍCIO DE ORDEM. INAPLICABILIDADE. PRORROGAÇÃO DO CONTRATO. CLÁUSULA QUE PREVÊ A OBRIGAÇÃO ATÉ A ENTREGA DAS CHAVES. EXONERAÇÃO DO FIADOR. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES DO STJ. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E IMPROVIDO.

[...]

3. O contrato de locação gera uma relação jurídica entre locador, locatário e fiador, sendo reconhecido, inclusive, como título executivo extrajudicial, nos termos do art. 585, IV, do CPC, sendo dispensável, por conseguinte, a juntada da sentença que decretou o despejo do locatário.

[...]

6. Recurso especial conhecido e improvido." (REsp 912.248⁄RS, 5.ª Turma, Rel. Min. ARNALDO ESTEVES LIMA, DJe de 09⁄03⁄2009.)

Por sua vez, a legislação federal que rege a matéria ora sob análise – Lei n.º 9.492⁄97 – assim determina, litteris:

"Art. 1º Protesto é o ato formal e solene pelo qual se prova a inadimplência e o descumprimento de obrigação originada em títulos e outros documentos de dívida." (grifei)

A partir da leitura dos dispositivos legais acima elencados, tenho que a melhor interpretação a ser adotada quanto à vexata quaestio é aquela segundo a qual o legislador, quando estendeu para além dos títulos de cambiários, a possibilidade de protesto de "outros documentos de dívida", teve a intenção de que fazê-lo também para abarcar os títulos executivos judiciais e extrajudiciais previstos na Lei Adjetiva, inserido, nessa hipótese, o contrato de locação.

Não é outra a exegese esposada pela melhor doutrina, senão vejamos:

"Em matéria cambial, o protesto é prova oficial e insubstituível da falta ou recusa, quer do aceite, quer do pagamento, [...]. Segundo a doutrina tradicional, o protesto é um ato formal com finalidade essencialmente probatória, uma vez que evidencia que o devedor não cumpriu a obrigação constante do título. Trata-se de ato jurídico em sentido estrito. O efeito probante do ato decorre exclusivamente da lei.

Nesse diapasão, há de se levar em conta o novo protesto com finalidade especial. Essa modalidade de protesto é destinada a títulos e documento que a princípio não eram protestáveis, mas cujo protesto serve para atingir uma finalidade ou completar o sentido das obrigações no universo negocial. Em resumo, permitindo o legislador que outros documentos comprobatórios de obrigações e débitos em aberto sejam protestados, busca-se, por meio do ato jurídico do protesto, o aperfeiçoamento do princípio pacta sunt servanda. Nessa modalidade de protesto se incluem, entre outros, sentença com trânsito em julgado, contratos e outros débitos para fundamentar pedido de falência contra devedor comerciante (art. 10 da Lei de Falências).

[...] Desse modo, embora haja quem à primeira vista possa sufragar a opinião mais extensiva, o dispositivo do artigo 1º deve ser interpretado restritivamente no sentido de que o protesto é utilizável somente para os títulos cambiários e para os demais títulos executivos judiciais e extrajudiciais, que estão elencados nos arts. 584 e 585 do Código de Processo Civil. Desse modo, doravante, devem ser admitidos a protesto todo o rol elencado nesses dispositivos, entre outros, [...], crédito decorrente de aluguel ou renda de imóvel, [...], desde que comprovado por contrato escrito. Desse modo, por exemplo, o débito resultante da locação de imóvel, comprovado por contrato escrito, pode ser objeto de protesto, tanto quanto ao inquilino como quanto ao fiador, pois a fiança é modalidade de caução e se insere entre os títulos executivos extrajudiciais. [...]" (VENOSA, Sílvio de Salvo. O Protesto de Documentos de Dívida in Novo Código Civil Interfaces no Ordenamento Jurídico Brasileiro, Coordenadora Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka. 1.ª edição, Editora Del Rey, 2004, Belo Horizonte, pgs. 124⁄125; sem grifos no original.)

Ante o exposto, CONHEÇO e DOU PROVIMENTO ao recurso ordinário, para, cassando o acórdão recorrido, conceder a segurança pleiteada.

É como voto.

MINISTRA LAURITA VAZ

Relatora

CERTIDÃO DE JULGAMENTO

QUINTA TURMA

Número Registro: 2003⁄0204744-1


RMS 17.400 ⁄ SP

Número Origem: 978080

PAUTA: 26⁄04⁄2011

JULGADO: 03⁄05⁄2011

Relatora

Exma. Sra. Ministra LAURITA VAZ

Presidente da Sessão

Exmo. Sr. Ministro JORGE MUSSI

Subprocurador-Geral da República

Exmo. Sr. Dr. ALCIDES MARTINS

Secretário

Bel. LAURO ROCHA REIS

AUTUAÇÃO

RECORRENTE

:

SELAL NEGÓCIOS E PARTICIPAÇÕES LTDA

ADVOGADO

:

ANDRÉ SHODI HIRAI E OUTRO

T. ORIGEM

:

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

IMPETRADO

:

CORREGEDOR GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

RECORRIDO

:

FAZENDA DO ESTADO DE SÃO PAULO

PROCURADOR

:

LUÍS CLÁUDIO MANFIO E OUTRO(S)

ASSUNTO: DIREITO CIVIL - Obrigações - Espécies de Contratos - Locação de Imóvel

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia QUINTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

"Após o voto da Sra. Ministra Relatora dando provimento ao recurso, pediu vista, antecipadamente, o Sr. Ministro Adilson Vieira Macabu (Desembargador convocado do TJ⁄RJ)"

Aguardam os Srs. Ministros Napoleão Nunes Maia Filho e Jorge Mussi.

Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Gilson Dipp.

RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA Nº 17.400 - SP (2003⁄0204744-1) (f)

RELATORA

:

MINISTRA LAURITA VAZ

RECORRENTE

:

SELAL NEGÓCIOS E PARTICIPAÇÕES LTDA

ADVOGADO

:

ANDRÉ SHODI HIRAI E OUTRO

T. ORIGEM

:

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

IMPETRADO

:

CORREGEDOR GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

RECORRIDO

:

FAZENDA DO ESTADO DE SÃO PAULO

PROCURADOR

:

LUÍS CLÁUDIO MANFIO E OUTRO(S)

VOTO-VISTA

O EXMO. SR. MINISTRO ADILSON VIEIRA MACABU (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ⁄RJ):

Trata-se de recurso ordinário interposto por SELAL NEGÓCIOS E PARTICIPAÇÕES LTDA contra o v. acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, o qual denegou mandado de segurança por reconhecer a inexistência de direito líquido e certo e por entender que o contrato de locação não tem, por si só, força executiva para ser objeto de protesto.

O mandado de segurança foi impetrado contra ato do Corregedor Geral de Justiça do Estado de São Paulo, que tornou sem efeito permissão concedida para protesto de contratos de locação aos Tabeliães de Protestos de Letras e Títulos da comarca da Capital, inclusive determinando o cancelamento daqueles que haviam sido lavrados durante a vigência da citada permissão, hipótese ocorrida in casu.

O Tribunal de origem denegou a segurança ao seguinte fundamento, in verbis:

"Inegável que a legislação referida deu uma abertura maior para o protesto de títulos, abrangendo até extrajudiciais.

Todavia, não se consegue bem apurar o alcance, ou seja, se somente para fins falimentares, cuidando a lei estadual de custas e emolumentos, ou de forma bem abrangente, inclusive quando a base é apenas dos documentos trazidos pela parte, considerando como título extrajudicial.

Cuida-se como se vê e os autos mostram, de assunto polêmico, com divergência no entendimento, considerando então a douta Corregedoria, após estudo e manifestações, que havia necessidade de haver expressa previsão normativa no direito positivo, para se saber quais os títulos extrajudiciais que poderiam ser objeto de protesto.

Não se pode esquecer que o contrato de locação não tem por si só força executiva, das consequências que poderão advir com o protesto, sendo os documentos encaminhados apenas por uma das partes.

Em vista disto e o que se encontra na legislação referida não está fora de propósito o entendimento do impetrado, no sentido de que não foi permitido um protesto amplo, de todos e quaisquer títulos extrajudiciais, agindo então com a devida cautela.

Logo, desde que expressamente não ficou estabelecido que o contrato de locação de imóvel deveria ser considerado como título executivo extrajudicial hábil a ser protestado, não se pode dizer que o ato praticado violou um direito da impetrante, sendo que foi dada uma interpretação viável ao assunto.

Por via de consequência, não se enxerga direito líquido e certo a ser amparado pelo mandamus."

Nas razões recursais, defende o recorrente a anulação do ato que determinou o cancelamento do protesto de débito originário de locação predial urbana, argumentando que a Lei nº 9.492⁄97 e a Lei Estadual nº 10.710⁄00 possibilitaram considerar o contrato de locação como "outro documento de dívida" e, por consequência, sujeito a protesto.

Instado a manifestar-se, o douto Ministério Público Federal opinou pelo desprovimento do recurso, fls. 304⁄307, argumentando tratar-se de tema controvertido e ausente potencial ou efetiva lesão a direito líquido e certo.

No julgamento iniciado em 03.05.11, pela eminente Ministra Laurita Vaz, Relatora do presente feito, tendo ela registrado seu posicionamento no sentido de CONHECER E DAR PROVIMENTO ao recurso ordinário para cassar o acórdão recorrido, concedendo a segurança pleiteada, manifestou-se no sentido de "...que esta Corte Superior de Justiça possui jurisprudência remansosa no sentido de atribuir ao contrato de locação a natureza de título executivo extrajudicial", bem como "a partir da leitura dos dispositivos legais acima elencados, tenho que a melhor interpretação a ser adotada quanto à vexata quaestio é aquela segundo a qual o legislador, quando entendeu para além dos títulos de cambiários, a possibilidade de protesto de 'outros documentos de dívida', teve a intenção de fazê-lo também para abarcar os títulos executivos judiciais e extrajudiciais previstos na Lei Adjetiva, inserido, nessa hipótese, o contrato de locação".

Pedi vista dos autos para inteirar-me da questão, diante das teses debatidas durante o julgamento e, não obstante o voto da eminente Relatora, ouso divergir do entendimento esposado pela Ministra Laurita Vaz, para negar provimento ao recurso de mandado de segurança.

De plano, em consequência de reconhecer-se, após exame das razões recursais ora debatidas, que a questão em relação ao pleito de anulação do cancelamento do protesto do contrato de locação denota matéria de natureza controvertida, fica evidenciada possível inexistência ou descabimento de violação a direito líquido e certo do impetrante, no sentido de buscar a concessão do mandamus a seu favor.

Entretanto, ao ter sido permitida, mediante ato da Corregedoria, por determinado período de tempo, a possibilidade de se efetuar o protesto, como efetivado no caso dos autos, entendo configurada lesão ao direito do impetrante, ora recorrente, pois o ato administrativo estava, mesmo que momentaneamente vigente, validado no mundo jurídico, autorizando-se o protesto do aludido contrato, tornando-se claro que, ao cancelá-lo, se verificou, por consequência, a lesão ao direito líquido e certo do credor em restabelecer o procedimento cartorário pelo qual, em decisão anterior proferida pelo Corregedor Permanente dos Tabeliães de Protesto de São Paulo, teria sido expressamente decidido acerca da possibilidade de protesto das dívidas originadas de contratos de locação.

Releva notar que a doutrina assim se posiciona a respeito do tema relativo ao uso da terminologia sobre 'direito líquido e certo', nas palavras do professor Pedro Lenza, em Direito Constitucional Esquematizado, pág. 518, citando o mestre Hely Lopes Meirelhes, "A atual expressão direito líquido e certo substitui a precedente, da legislação criadora do mandado de segurança, direito certo e incontestável. Nenhuma satisfaz. Ambas são impróprias e de significação equívoca, como procuraremos demonstrar no texto. O direito, quanto existente, é sempre líquido e certo; os fatos é que podem ser imprecisos e incertos, exigindo comprovação e esclarecimentos para propiciar a aplicação do Direito invocado pelo postulante".

Com efeito, entendo ser possível o mandamus e, por consequência, também o recurso em mandado de segurança, embora, no mérito, não haja como concedê-lo.

Passo à análise dos autos, assinalando cingir-se a presente controvérsia em saber se contrato de locação é um título extrajudicial passível ou não de protesto.

Para melhor compreensão da controvérsia, cumpre examinar a aludida legislação pertinente: A teor do art. 1º, da Lei nº 9.494⁄97, "protesto é o ato formal e solene pelo qual se prova a inadimplência e o descumprimento de obrigação originada em títulos e outros documentos de dívida".

Extrai-se da leitura do mencionado dispositivo legal não restar evidenciado quais títulos e documentos de dívida quis o legislador, realmente, alcançar, eis que em nosso ordenamento jurídico consideram-se como títulos executivos extrajudiciais aqueles previstos no art. 585 do Código de Processo Civil, verbis:

"Art. 585. São títulos executivos extrajudiciais:

I - a letra de câmbio, a nota promissória, a duplicata, a debênture e o cheque;

II - a escritura pública ou outro documento público assinado pelo devedor; o documento particular assinado pelo devedor e por duas testemunhas; o instrumento de transação referendado pelo Ministério Público, pela Defensoria Pública ou pelos advogados dos transatores;

III - os contratos garantidos por hipoteca, penhor, anticrese e caução, bem como os de seguro de vida;

IV - o crédito decorrente de foro e laudêmio;

V - o crédito, documentalmente comprovado, decorrente de aluguel de imóvel, bem como de encargos acessórios, tais como taxas e despesas de condomínio;

VI - o crédito de serventuário de justiça, de perito, de intérprete, ou de tradutor, quando as custas, emolumentos ou honorários forem aprovados por decisão judicial;

VII - a certidão de dívida ativa da Fazenda Pública da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, correspondente aos créditos inscritos na forma da lei;

VIII - todos os demais títulos a que, por disposição expressa, a lei atribuir força executiva."

Ressalte-se que a finalidade de se estabelecer, normativamente, o crédito relativo à locação de imóvel, como título executivo extrajudicial, foi a de evitar o longo caminho do processo de conhecimento para ser alcançado o objetivo de transformar o crédito oriundo do contrato de locação em título executivo passível de execução forçada.

Extrai-se da exposição de motivos ao Projeto de Lei nº 3.253⁄04, realizado pelo, à época, Ministro de Estado da Justiça, Dr. Márcio Thomaz Bastos, que a vontade legislativa, ao inserir o inciso V, do art. 585, do CPC, caracterizando o crédito oriundo do contrato de locação como título extrajudicial, tratou de uma inovação processual, com intuito de “expurgar ritos e anacronismos formais”, possibilitando o afastamento da "velha tendência de restringir a jurisdição ao processo de conhecimento”.

A propósito, transcreve-se o excerto da mencionada exposição de motivos, verbis:

"Com efeito: após o longo contraditório no processo de conhecimento, ultrapassados todos os percalços, vencidos os sucessivos recursos, sofridos os prejuízos decorrentes da demora (quando menos o 'damno marginale in senso stretto' de que nos fala Ítalo Andolina), o demandante logra obter alfim a prestação jurisdicional definitiva, com o trânsito em julgado da condenação da parte adversa. Recebe então a parte vitoriosa, de imediato, sem tardança maior, o 'bem da vida' a que tem direito? Triste engano: a sentença condenatória é título executivo, mas não se reveste de preponderante eficácia executiva. Se o vencido não se dispõe a cumprir a sentença, haverá iniciar o processo de execução, efetuar nova citação, sujeitar-se à contrariedade do executado mediante 'embargos', com sentença e a possibilidade de novos e sucessivos recursos.

Tudo superado, só então o credor poderá iniciar os atos executórios propriamente ditos, com a expropriação do bem penhorado, o que não raro propicia mais incidentes e agravos.

Ponderando, inclusive, o reduzido número de magistrados atuantes em nosso país, sob índice de litigiosidade sempre crescente (pelas ações tradicionais e pelas decorrentes da moderna tutela aos direitos transindividuais), impõe-se buscar maneiras de melhorar o desempenho processual (sem fórmulas mágicas, que não as há), ainda que devamos, em certas matérias (e por que não?), retomar por vezes caminhos antigos (e aqui o exemplo do procedimentos do agravo, em sua atual técnica, versão atualizada das antigas 'cartas diretas' ...), ainda que expungidos rituais e formalismos já anacrônicos." (Exposição de Motivos ao PL 3.253⁄ 2004-site:http:⁄⁄www.planalto.gov.br⁄ccivil_03⁄Projetos⁄EXPMOTIV⁄MJ⁄2004⁄34.htm)

Com efeito, tem-se que o contrato de locação foi caracterizado pela legislação como título executivo extrajudicial, transmutando-o com força executiva. Contudo, resta saber se ele é passível ou não de protesto e se, para tal fim, detém, por si só, os atributos de certeza, liquidez e exigibilidade necessárias para sujeitar-se ao protesto, nos moldes dos títulos cambiariformes que, por lei, são a ele sujeitos.

Oportuno concluir ser o protesto, a princípio, uma fase ainda não processual, na qual se busca a efetividade da dívida, sem necessidade de recorrer ao Judiciário. Ressalte-se que a inteligência do artigo 580, do CPC, prevê que, diante do inadimplemento do devedor, seja a execução instaurada para que ele satisfaça a obrigação certa, líquida e exigível consubstanciada em título executivo.

Por outro lado, considerando que, por determinação legislativa, o contrato de locação de imóvel tem atribuído, a si, força executiva, há que se considerar que o crédito contido nesse documento é dotado de presunção de certeza, caso preenchidos todos os requisitos formais, ou seja, será certo o crédito nele contido, desde que formalmente perfeito.

Frise-se, porém, que o título executivo passível de execução, que é uma ação judicial, será alcançado pelo princípio da ampla defesa e, até mesmo, do contraditório, principalmente, de dívida ilíquida, o que não acontece em um protesto.

Some-se a isso que a doutrina considera existente a liquidez do título quando se sabe o quê e quanto se deve, não se desconstituindo a liquidez se o montante da dívida precisar de mero cálculo aritmético para que o valor devido seja determinado.

Contudo, enfatize-se que o título extrajudicial há de ser, necessariamente, líquido para ensejar a execução, por inadmitir-se sua liquidação, ao inverso do título executivo, que prescinde da liquidez, pois permitida a sua liquidação por sentença sujeita a posterior execução.

Destarte, extrai-se que a exigibilidade diz respeito ao vencimento da dívida, observando-se a inexistência de termo ou condição, tornando-se exigível o crédito caso verificada ausência dos dois institutos.

Na hipótese dos autos, evidente que o contrato de locação de imóvel apresentado, embora possa ser considerado título com o atributo da certeza, em decorrência da determinação cogente da norma legal, bem como demonstrar ser extensível a sua condição de exigibilidade pela presunção de que houve o vencimento da dívida, seguramente não se reveste do atributo da liquidez, restando, assim, inviável a possibilidade de sujeitar-se ao instituto do protesto, como pleiteado pelo credor.

Nesse sentido, encontra-se o seguinte julgado ocorrido na Terceira Turma desta Corte, verbis:

"RECURSO ESPECIAL. PROTESTO DE SENTENÇA CONDENATÓRIA, TRANSITADA EM JULGADO. POSSIBILIDADE. EXIGÊNCIA DE QUE REPRESENTE OBRIGAÇÃO PECUNIÁRIA LÍQUIDA, CERTA E EXIGÍVEL.

1. O protesto comprova o inadimplemento. Funciona, por isso, como poderoso instrumento a serviço do credor, pois alerta o devedor para cumprir sua obrigação.

2. O protesto é devido sempre que a obrigação estampada no título é líquida, certa e exigível.

3. Sentença condenatória transitada em julgado, é título representativo de dívida - tanto quanto qualquer título de crédito.

4. É possível o protesto da sentença condenatória, transitada em julgado, que represente obrigação pecuniária líquida, certa e exigível.

5. Quem não cumpre espontaneamente a decisão judicial não pode reclamar porque a respectiva sentença foi levada a protesto." (REsp 750805⁄RS, Rel. Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, TERCEIRA TURMA, julgado em 14⁄02⁄2008, DJe 16⁄06⁄2009)

Com efeito, é possível o protesto de título extrajudicial, embora não de qualquer título, porquanto há a necessidade da liquidez e certeza da dívida, o que não se alcança em contrato de locação.

Pelo exposto, NEGO PROVIMENTO ao recurso de mandado de segurança, por não preexistirem as delimitações das certeza, liquidez e exigibilidade imprescindíveis no contrato de locação, a garantir sua sujeição a protesto, não havendo como conceder a segurança pleiteada.

É como voto.

CERTIDÃO DE JULGAMENTO

QUINTA TURMA

Número Registro: 2003⁄0204744-1


RMS 17.400 ⁄ SP

Número Origem: 978080

PAUTA: 26⁄04⁄2011

JULGADO: 21⁄06⁄2011

Relatora

Exma. Sra. Ministra LAURITA VAZ

Relator para Acórdão

Exmo. Sr. Ministro ADILSON VIEIRA MACABU (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ⁄RJ)

Presidente da Sessão

Exmo. Sr. Ministro JORGE MUSSI

Subprocurador-Geral da República

Exmo. Sr. Dr. BRASILINO PEREIRA DOS SANTOS

Secretário

Bel. LAURO ROCHA REIS

AUTUAÇÃO

RECORRENTE

:

SELAL NEGÓCIOS E PARTICIPAÇÕES LTDA

ADVOGADO

:

ANDRÉ SHODI HIRAI E OUTRO

T. ORIGEM

:

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

IMPETRADO

:

CORREGEDOR GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

RECORRIDO

:

FAZENDA DO ESTADO DE SÃO PAULO

PROCURADOR

:

LUÍS CLÁUDIO MANFIO E OUTRO(S)

ASSUNTO: DIREITO CIVIL - Obrigações - Espécies de Contratos - Locação de Imóvel

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia QUINTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

"Prosseguindo no julgamento, a Turma, por maioria, negou provimento ao recurso, nos termos do voto do Sr. Ministro Adilson Vieira Macabu (Desembargador Convocado do TJ⁄RJ), que lavrará o acórdão."

Votaram com o Sr. Ministro Adilson Vieira Macabu (Desembargador convocado do TJ⁄RJ) os Srs. Ministros Napoleão Nunes Maia Filho e Jorge Mussi.

Votou vencida a Sra. Ministra Laurita Vaz, que dava provimento ao recurso.

Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Gilson Dipp.

Documento: 1058129

Inteiro Teor do Acórdão

- DJe: 03/11/2011

Fonte: STJ – Revista Eletrônica de Jurisprudência – Clique neste link para conferir:

https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSeq=1058129&sReg=200302047441&sData=20111103&formato=HTML

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