sexta-feira, 9 de março de 2012

Tipificação penal para a falsificação de documento e de seu uso


Luiz Carlos Nogueira

nogueirablog@gmail.com










A cidadã de nome DENIZIA BRANDÃO LEAL foi acusada de haver de forma consciente e de livre vontade, usado documento falso (no caso, Certidão de Nascimento, como sendo emitida no dia 14/02/2002, pelo Cartório de Registro Civil de Rosalândia/GO), com o qual se apresentou perante a Delegacia de Polícia Marítima, Aeroportuária e de Fronteiras, com a intenção de obter passaporte que usaria para poder viajar para Portugal.

Aquele órgão, suspeitando de que o documento apresentado era falso, comunicou-se com o Cartório de Rosalândia, que por sua vez informou não constar em seus livros, assentamentos de registro civil de nascimento, com o nome de Denize Brandão Leal. E assim foi como o referido órgão conseguiu da referida cidadã, o documento verdadeiro, expedido pelo Cartório de Registro Civil de Araguaia/PA, na qual consta o nome autêntico de DENIZIA BRANDÃO LEAL em vez de DENISE BRANDÃO LEAL.

Por conseguinte, por ter utilizado documento público falso perante órgão da administração pública federal, DENÍZIA BRANDÃO LEAL praticou a conduta tipificada nos artigos 304 (uso de documento falso) e caput do art. 297 (falsificação de documento público), ambos do Código Penal, pelos quais foi denunciada.


USO DE DOCUMENTO FALSO

Art. 304 - Fazer uso de qualquer dos papéis falsificados ou alterados, a que se referem os arts. 297 a 302:

Pena - a cominada à falsificação ou à alteração

- pode ser cometido por qualquer pessoa, exceto o autor da falsificação, visto que, apesar de pequena divergência jurisprudencial, prevalece o entendimento de que o falsário que posteriormente usa o documento responde apenas pela falsificação, sendo o uso um “past factum” impunível.

- se o documento é apreendido em poder do agente, em decorrência de busca domiciliar ou revista pessoal feita por policiais, não haverá crime, pois não houve apresentação do documento; assim, o mero porte do documento é atípico.

- também não há crime se o documento foi exibido em razão de solicitação de policial, uma vez que a iniciativa do uso não foi espontânea por parte do agente; exceção: a CNH e o CRLV, de acordo com o CTB, é documento de porte obrigatório por quem conduz veículo e nesse caso, quando o policial solicita e o agente apresenta um falso, há o crime.

- caracteriza-se o crime pela apresentação do documento a qualquer pessoa e não apenas a funcionário público; é necessário que tenha sido apresentado com a finalidade de fazer prova sobre fato relevante.


FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO PÚBLICO (ou Falsidade Material)

“Art. 297Falsificar, no todo ou em parte, documento público (é aquele elaborado por funcionário público, de acordo com as formalidades legais, no desempenho de suas funções – ex.: RG, CIC, CNH, Carteira Funcional, Certificado de Reservista, Título de Eleitor, escritura pública etc.), ou alterar documento público verdadeiro:

Pena - reclusão, de 2 a 6 anos, e multa.

§ 1º - Se o agente é funcionário público, e comete o crime prevalecendo-se do cargo, aumenta-se a pena de sexta parte.

§ 2º - Para os efeitos penais, equiparam-se a documento público o emanado de entidade paraestatal (autarquias, empresas públicas, sociedade de economia mista, fundações instituídas pelo Poder Público), o título ao portador ou transmissível por endosso (cheque, nota promissória, duplicata etc.), as ações de sociedade comercial (sociedades anônimas ou em comandita por ações), os livros mercantis (utilizados pelos comerciantes para registro dos atos de comércio) e o testamento particular (aquele escrito pessoalmente pelo testador).

§ 3º - Nas mesmas penas incorre quem insere ou faz inserir:

I - na folha de pagamento ou em documento de informações que seja destinado a fazer prova perante a previdência social, pessoa que não possua a qualidade de segurado obrigatório;

II - na Carteira de Trabalho e Previdência Social do empregado ou em documento que deva produzir efeito perante a previdência social, declaração falsa ou diversa da que deveria ter sido escrita;

III - em documento contábil ou em qualquer outro documento relacionado com as obrigações da empresa perante a previdência social, declaração falsa ou diversa da que deveria ter constado.

§ 4º Nas mesmas penas incorre quem omite, nos documentos mencionados no § 3º, nome do segurado e seus dados pessoais, a remuneração, a vigência do contrato de trabalho ou de prestação de serviços.

- um particular pode cometer crime de “falsificação de documento público”, desde que falsifique documento que deveria ter sido feito por funcionário público ou altere documento efetivamente elaborado por este - ex.: o agente compra uma gráfica e passa a fazer imitações de espelhos de Carteiras de Habilitação, para vendê-los a pessoa que não se submeteram aos exames para dirigir veículos; alguém furta um espelho verdadeiro em branco e preenche os seus espaços; uma pessoa modifica a data de seu nascimento em um documento de identidade.

- a adulteração de chassi de veículo ou de qualquer de seus elementos identificadores (numeração de placas, do motor, do câmbio) caracteriza o crime do “adulteração de sinal identificador de veículo automotor” (art. 311); se, entretanto, o agente altera o número do chassi ou da placa do próprio documento do veículo, caracteriza-se o crime de “falsificação de documento público”.

- a consumação se dá com a falsificação ou alteração, independentemente do uso ou de qualquer outra conseqüência posterior.

- no crime de “falsificação de documento público”, que é infração que deixa vestígios, torna-se indispensável o exame de corpo de delito para a prova da materialidade; esse exame pericial, feito com a finalidade de verificar a autenticidade do documento, chama-se “exame documentoscópico”; sempre que possível deverá ser elaborado também o “exame grafotécnico”, com a finalidade de constatar a autoria da assinatura e dos dizeres do documento, mediante comparação com o material fornecido durante o IP pelo indiciado.

- a competência será da Justiça Federal, se o documento foi ou devia ter sido emitido por autoridade federal - ex.: passaporte, caso contrário, é da Justiça Estadual; na falsificação de Carteira de Trabalho, a competência depende da finalidade da falsificação, se for para fraudar o INSS é da Justiça Federal, se for para fins particulares é da Justiça Estadual.

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- quem falsifica o próprio espelho em uma gráfica e acrescenta dizeres inverídicos, comete “falsidade material” (no todo);

- quem tem em suas mãos um espelho verdadeiro em branco e sem possuir legitimidade o preenche com dados falsos, comete “falsidade material” (em parte);

- quem tem em seu poder um espelho verdadeiro e, tendo legitimidade para preenchê-lo, o faz com dados falsos, comete “falsidade ideológica” (art. 299);

- quem acrescenta (ou altera) dizeres no texto de documento verdadeiro, comete “falsidade material”, na modalidade alterar; se o agente, entretanto, acrescenta dizeres totalmente individualizáveis em documento verdadeiro, sem afetar qualquer parte anteriormente dele constante, comete “falsidade material” (em parte).

A acusação foi rejeitada em primeiro grau, vez que o magistrado entendeu que o fato narrado não constituía crime. No entanto, o Tribunal de Justiça de Goiás deu provimento ao apelo do Ministério Público e a ação penal foi instaurada, fazendo com que a Defensoria Pública impetrasse habeas corpus com pedido de trancamento da ação penal, ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), em favor de Denízia, que foi negado pela Sexta Turma, porém concedendo ordem de ofício, para que a paciente respondesse apenas por um delito — o de falsificação de documento público, pois o entendimento sufragado pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é de que se o mesmo sujeito falsifica e, em seguida, usa o documento falsificado, responde apenas pela falsificação.

CONHEÇAM O INTEIRO TEOR DA DECISÃO:



Superior Tribunal de Justiça
Revista Eletrônica de Jurisprudência

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HABEAS CORPUS Nº 70.703 - GO (2006⁄0256043-0)

RELATOR

:

MINISTRO OG FERNANDES

IMPETRANTE

:

DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO

ADVOGADO

:

ANDRÉ DO NASCIMENTO DEL FIACO - DEFENSOR PÚBLICO DA UNIÃO

IMPETRADO

:

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1A REGIÃO

PACIENTE

:

DENÍZIA BRANDÃO LEAL

EMENTA

HABEAS CORPUS. FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO PÚBLICO E USO DE DOCUMENTO FALSO. INÉPCIA DA DENÚNCIA. INOCORRÊNCIA. PRINCÍPIO DA ABSORÇÃO. CONSTRANGIMENTO EVIDENCIADO.

1. Em sede de habeas corpus, só é possível o trancamento da ação penal em situações especiais, como nos casos em que é evidente e inafastável a negativa de autoria e quando o fato narrado não constitui crime, sequer em tese.

2. Ao contrário do que afirma o impetrante, não se evidencia, estreme de dúvidas, a alegada atipicidade da conduta da paciente, tornando temerário o atendimento ao pleito deduzido, sobretudo porque a peça acusatória, nos termos do art. 41 do Código de Processo Penal, demonstra, em tese, a configuração do delito.

3. O entendimento sufragado pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é de que se o mesmo sujeito falsifica e, em seguida, usa o documento falsificado, responde apenas pela falsificação.

4. Ordem denegada. Habeas corpus concedido de ofício, para trancar a ação penal quanto ao crime de uso de documento falso, devendo prosseguir no que concerne às demais imputações.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, denegar a ordem, expedindo, contudo, habeas corpus de ofício, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Sebastião Reis Júnior, Vasco Della Giustina (Desembargador convocado do TJ⁄RS) e Maria Thereza de Assis Moura votaram com o Sr. Ministro Relator.

Presidiu o julgamento a Sra. Ministra Maria Thereza de Assis Moura.

Brasília, 23 de fevereiro de 2012 (data do julgamento).

MINISTRO OG FERNANDES

Relator

HABEAS CORPUS Nº 70.703 - GO (2006⁄0256043-0)

RELATÓRIO

O SR. MINISTRO OG FERNANDES: Trata-se de habeas corpus, impetrado em favor de Denízia Brandão Leal, apontando como autoridade coatora o Tribunal Regional Federal da 1ª Região, que deu provimento ao recurso em sentido estrito interposto pelo Ministério Público, nos termos da seguinte ementa:

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. REJEIÇÃO DE DENÚNCIA. USO DE DOCUMENTO FALSO E FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO PÚBLICO. CRIMES CONTRA A FÉ PÚBLICA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE.

I - Tendo a recorrida se utilizado de certidão de nascimento falsa para instruir pedido de passaporte junto ao Departamento de Polícia Federal, não há de se aplicar o princípio da insignificância, por ser incabível nas hipóteses de crimes contra a fé pública.

II - Recurso provido.

Segundo consta dos autos, a ora paciente foi denunciada pela suposta prática do delitos previstos no art. 304 c.c. art. 297, caput, ambos do Código Penal.

A inicial acusatória foi rejeitada nos termos do já revogado art. 43, I, do Código de Processo Penal, por entender o magistrado que o fato narrado não constituía crime.

Irresignado o órgão ministerial interpôs recurso em sentido estrito, o qual, como dito, foi provido. O feito seguiu seu curso, sendo encaminhado ao juízo de primeiro grau. Em consulta ao sítio eletrônico do Tribunal a quo verificou-se que a ação penal, que tramita sob o n.º 2007.35.00.006567-5, encontra-se suspensa desde 24.6.2011.

Neste writ, alega a defensoria-impetrante que a conduta praticada pela paciente "não criou nenhum risco relevante e juridicamente proibido, e muito menos, dano ao Estado." (e-fl. 5).

Afirma que o acórdão impugnado sequer chegou a examinar os argumentos apresentados pela defesa em suas contrarrazões, implicando em ofensa aos princípios do contraditório e da ampla defesa, além não apresentar fundamentação razoável para justificar seu posicionamento.

Requer, ao final, a anulação do acórdão recorrido e consequente restabelecimento da sentença. Subsidiariamente, pugna pela anulação do julgado e prolação de outro, com a análise dos pleitos alegados pela defesa em sua contrarrazões.

O Ministério Público Federal, em parecer da lavra da Subprocuradora-Geral da República Maria das Mercês de C. Gordilho Aras, opinou pela denegação da ordem.

É o relatório.

HABEAS CORPUS Nº 70.703 - GO (2006⁄0256043-0)

VOTO

O SR. MINISTRO OG FERNANDES (Relator): Em sede de habeas corpus, só é possível o trancamento da ação penal em situações especiais, como nos casos em que é evidente e inafastável a negativa de autoria e quando o fato narrado não constitui crime, sequer em tese.

Na hipótese em exame, o caso foi assim narrado na exordial acusatória:

Em 26 de novembro de 2002, nesta Capital, a acusada DENÍZIA BRANDÃO LEAL, com vontade livre e consciente, fez uso de documento sabidamente falso perante a Delegacia de Polícia Marítima, Aeroportuária e de Fronteiras.

Com efeito, com a finalidade de obter passaporte, a denunciada apresentou no balcão da Delegacia responsável pela expedição de tal documento, uma Certidão de Nascimento falsa, onde constava a sua emissão, em 14⁄02⁄2002, pelo Cartório de Registro Civil do Município de Rosalândia⁄GO, declarando, nesse documento, com vontade livre e consciente, chamar-se DENISE BRANDÃO LEAL.

Atento à situação, o Núcleo de Passaportes da Delegacia de Polícia Marítima, Aeroportuária e de Fronteiras, após suspeitar que a certidão de nascimento era contrafeita, obteve da denunciada o documento verdadeiro, expedido pelo Cartório de Registro Civil da Comarca de Araguaia⁄PA, onde consta que seu nome autêntico seria DENÍZIA BRANDÃO LEAL.

Posteriormente, em contato com o Cartório de Registro Civil do Município de Rosalândia⁄GO, este informou à autoridade policial que não consta, em seus livros e arquivos, qualquer assentamento de registro civil de DENISE BRANDÃO LEAL e que a certidão de nascimento apresentada perante a Polícia Federal pela acusada não teria sido confeccionada por aquele estabelecimento. Foi comunicado, ademais, que o carimbo e assinatura presentes na certidão eram falsificados (fl. 50).

Não tendo como negar a prática delitiva, a acusada aduziu que encomendou de uma pessoa chamada JUNIOR a certidão de nascimento falsa (que, deveras, a providenciou), vez que, anteriormente, ao tentar a emissão de seu passaporte para viajar a Portugal, a pessoa que a atendeu notou que havia divergência entre o nome constante na sua certidão de nascimento autêntica (DENÍZIA BRANDÃO LEAL) e o disposto em seu título de eleitos e CPF (DENISE BRANDÃO LEAL), o que a impediu de conseguir o mencionado documento.

A materialidade delitiva e a autoria estão sobejamente demonstradas por intermédio do Laudo de Exame Documentoscópico (fl. 93), onde se atesta que a assinatura constante na certidão de fl. 12 não foi aposta pelo oficial do registro civil do cartório de Rosalândia⁄GO, os documentos de 50⁄51, bem como pelas declarações da própria acusada e das testemunhas (fls. 04⁄09).

Destarte, ao utilizar documento público sabidamente falso perante órgão da administração pública federal, DENÍZIA BRANDÃO LEAL praticou a conduta típica descrita no artigo 304 (combinado com o artigo 297, caput) do Código Penal. (e-fls. 9⁄10).

Ao contrário do que afirma o impetrante, não se evidencia estreme de dúvidas a alegada atipicidade da conduta da paciente, tornando temerário o atendimento ao pleito deduzido, sobretudo porque a peça acusatória, nos termos do art. 41 do Código de Processo Penal, demonstra, em tese, a configuração do delito.

Nesse sentido os seguintes precedentes:

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. ESTELIONATO – FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO – USO DE DOCUMENTO FALSO. DENÚNCIA QUE NARRA O FATO E SUAS CIRCUNSTÂNCIAS. AUSÊNCIA DE INÉPCIA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. IMPOSSIBILIDADE. ORDEM DENEGADA.

1- O trancamento da ação penal por esta via justifica-se somente quando verificadas, de plano, a atipicidade da conduta, a extinção da punibilidade ou a ausência de indícios de autoria e prova da materialidade, o que não se vislumbra na hipótese dos autos. Precedentes.

2- Não há falar em trancamento de ação penal iniciada por denúncia que satisfaz todos os requisitos do art. 41 do CPP, sendo mister a elucidação dos fatos em tese delituosos descritos na vestibular acusatória à luz do contraditório e da ampla defesa, durante o regular curso da instrução criminal.

3- Negaram provimento ao recurso.

(RHC nº 22179⁄SP, DJ de 12⁄11⁄2007, Rel. Ministra Jane Silva - Desembargadora Convocada do TJ⁄MG) RHC.

TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. INÉPCIA DA DENÚNCIA. FATO APARENTEMENTE TÍPICO. EXAME DE PROVA. ESTELIONATO E FALSIDADE. PERCEBIMENTO INDEVIDO DE APOSENTADORIA. PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO. SÚMULA 17 DESTE TRIBUNAL. Estando a denúncia a descrever um fato aparentemente típico em todas as suas circunstâncias, conforme previsão do art. 41 do CPP, não há que se obstaculizar o andamento da instrução criminal, trancando-se a ação ajuizada em desfavor do recorrente. O procedimento heróico, por suas peculiaridade de via sumaríssima, não comporta o exame de prova ou mesmo a contestação das que foram produzidas no bojo da investigação ou do processo penal. (...) Recurso parcialmente provido para apenas excluir da imputação os crimes dos arts. 299 e 304 do CP.

(RHC nº 22913⁄SP, DJ de 26⁄05⁄2008, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura).

No entanto, evidencia-se outro constrangimento ilegal, possibilitando a concessão da ordem, de ofício.

Com efeito, é pacífico o entendimento doutrinário e jurisprudencial no sentido de que o agente que pratica as condutas de falsificar e de usar o documento falsificado deve responder por apenas um delito. A divergência está em saber em que tipo penal – se falsificação de documento público ou uso de documento falso – estará ele incurso.

O entendimento sufragado pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é de que se o mesmo sujeito falsifica e, em seguida, usa o documento falsificado, responde apenas pela falsificação.

A exemplo, os seguintes julgados:

HABEAS CORPUS - FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO PÚBLICO - FATO DELITUOSO, QUE, ISOLADAMENTE CONSIDERADO, NÃO OFENDE BENS, SERVIÇOS OU INTERESSES DA UNIÃO FEDERAL, DE SUAS AUTARQUIAS OU DE EMPRESA PÚBLICA FEDERAL - RECONHECIMENTO, NA ESPÉCIE, DA COMPETÊNCIA PENAL DA JUSTIÇA ESTADUAL PARA O PROCESSO E JULGAMENTO DO CRIME TIPIFICADO NO ART. 297 DO CP - USO POSTERIOR, PERANTE REPARTIÇÃO FEDERAL, PELO PRÓPRIO AUTOR DA FALSIFICAÇÃO, DO DOCUMENTO POR ELE MESMO FALSIFICADO - "POST FACTUM" NÃO PUNÍVEL - CONSEQÜENTE FALTA DE COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL, CONSIDERADO O CARÁTER IMPUNÍVEL DO USO POSTERIOR, PELO FALSIFICADOR, DO DOCUMENTO POR ELE PRÓPRIO FORJADO - ABSORÇÃO, EM TAL HIPÓTESE, DO CRIME DE USO DE DOCUMENTO FALSO (CP, ART. 304) PELO DELITO DE FALSIFICAÇÃO DOCUMENTAL (CP, ART. 297, NO CASO), DE COMPETÊNCIA, NA ESPÉCIE, DO PODER JUDICIÁRIO LOCAL - PEDIDO INDEFERIDO.

- O uso dos papéis falsificados, quando praticado pelo próprio autor da falsificação, configura "post factum" não punível, mero exaurimento do "crimen falsi", respondendo o falsário, em tal hipótese, pelo delito de falsificação de documento público (CP, art. 297) ou, conforme o caso, pelo crime de falsificação de documento particular (CP, art. 298). Doutrina. Precedentes (STF).

- Reconhecimento, na espécie, da competência do Poder Judiciário local, eis que inocorrente, quanto ao delito de falsificação documental, qualquer das situações a que se refere o inciso IV do art. 109 da Constituição da República.

- Irrelevância de o documento falsificado haver sido ulteriormente utilizado, pelo próprio autor da falsificação, perante repartição pública federal, pois, tratando-se de "post factum" impunível, não há como afirmar-se caracterizada a competência penal da Justiça Federal, eis que inexistente, em tal hipótese, fato delituoso a reprimir.

(HC n.º 84.533-9, Relator o Ministro Celso de Mello, DJE de 30.6.2004, sem destaques no original)

- FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO PÚBLICO. USO PELO PRÓPRIO FALSIFICADOR.

- O USO DE DOCUMENTO FALSO PELO PRÓPRIO AUTOR DA FALSIFICAÇÃO CONFIGURA UM SÓ CRIME: O DO ART. 297 DO CÓDIGO PENAL. "HABEAS CORPUS" DEFERIDO PARA CASSAR-SE A CONDENAÇÃO REFERENTE AO ART. 304 DO MESMO CÓDIGO.

(HC nº 58.611-2, Relator o Ministro Soares Muñoz, DJ de 8⁄5⁄1981)

HABEAS CORPUS. CONDENAÇÃO DE PACIENTE, COMO INCURSO NOS CRIMES DE FALSIDADE DOCUMENTAL E USO DE DOCUMENTO FALSO, EM CONCURSO MATERIAL (CÓDIGO PENAL, ARTS. 297, PAR-2., 304 E 51). O USO DO DOCUMENTO FALSO, PELO PRÓPRIO AUTOR DA FALSIFICAÇÃO, CONFIGURA UM SÓ CRIME: O DO ART-297 DO DIPLOMA PENAL. CONCESSÃO PARCIAL DO HABEAS CORPUS, PARA EXCLUIR A CONDENAÇÃO PELO DELITO DE USO DO DOCUMENTO FALSO, PERMANECENDO, TÃO SÓ, A PENA RELATIVA A INFRAÇÃO DO ART-297, PAR-2., DO CÓDIGO PENAL. TENDO EM CONTA QUE A SENTENÇA FIXOU AS PENAS, NO MINIMO LEGAL, DE CADA TIPO, REDUZ-SE, NO CASO, A PENA IMPOSTA PARA DOIS ANOS DE RECLUSÃO, PODENDO, EM CONSEQUENCIA, SER CONSIDERADA, NA EXECUÇÃO, EVENTUAL CONCESSÃO DO SURSIS.

(HC nº 60.716⁄RJ, Relator o Ministro Néri da Silveira, DJ de 2⁄12⁄1983)

Nessa linha, há precedentes deste Superior Tribunal de Justiça:

HABEAS CORPUS. FALSIFICAÇÃO DE DOIS DOCUMENTOS E USO DE UM DELES. CONDENAÇÃO PELOS TRÊS CRIMES. MESMA LINHA CAUSAL. ABSORÇÃO DE UM DOS DELITOS. PRISÃO DOMICILIAR. MATÉRIA NÃO EXAMINADA PELA CORTE ESTADUAL. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. CONDENAÇÃO DEFINITIVA. LIBERDADE. PEDIDO INVIÁVEL.

1. Quando o mesmo agente pratica os crimes de falsificação e de uso de documento falso, responde apenas por um deles. In casu, a falsificação das duas certidões de nascimento visou exclusivamente a sua utilização para propiciar a emissão de passaporte. De rigor, assim, afastar uma das condenações, pois o paciente falsificou e utilizou o mesmo documento. Deve ser mantida, contudo, a condenação pela falsificação do documento utilizado pelo corréu.

2. A pretensão de obter a prisão domiciliar não pode ser aqui examinada, pois não foi submetida à análise das instâncias originárias. Cabe à Defesa submeter tal questão ao Juízo da execução.

3. Tratando-se de condenação definitiva, não há que falar em soltura do paciente.

4. Habeas corpus parcialmente conhecido e, nessa extensão, concedido em parte para afastar uma das condenações do paciente, reduzindo a reprimenda para 4 (quatro) anos e 8 (oito) meses de reclusão, em regime semiaberto, e 100 (cem) dias-multa, mantidos os demais termos do acórdão.

(HC 150.242⁄ES, Relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, DJe 8.6.2011, sem destaques no original)

FALSIDADE IDEOLÓGICA. DOCUMENTO PÚBLICO. USO PELO PRÓPRIO FALSIFICADOR. CONCURSO DE CRIMES. INEXISTÊNCIA.

- Pacífico o entendimento de que o falsário não responde, em concurso, pelo crime de falso e uso do documento falsificado.

- O usuário é punível apenas, nesse caso, pelo crime de falsidade, considerado como fato posterior não punível, o uso.

- Análise de provas. Súmula 7, do STJ. Inaplicável o art. 384, do CPP, se inexistiu inovação quanto aos fatos narrados na denúncia, mas apenas nova definição delituosa desses mesmos fatos.

- Recurso não conhecido da condenada. Recurso conhecido e desprovido do Ministério Público.

(REsp nº 166.888⁄SC, Relator o Ministro José Arnaldo da Fonseca, DJ de 16⁄11⁄1998)

PENAL. FALSIDADE IDEOLÓGICA. CRIME CONTINUADO. FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO PÚBLICO. USO PELO FALSÁRIO. DELITO ÚNICO.

- Configura crime continuado duas ações consistentes no preenchimento de laudas assinadas por outrem e utilizadas para os expedientes ideologicamente falsos, dirigidas a um mesmo resultado.

- A doutrina e a jurisprudência são unânimes no entendimento de que o uso do documento falso pelo próprio autor da falsificação configura um único delito, seja, o do art. 297, do Código Penal, pois, na hipótese, o uso do falso documento é mero exaurimento do crime de falsum.

- Habeas-corpus concedido.

(HC nº 10.447⁄MG, Relator o Ministro Vicente Leal, DJ de 1⁄7⁄2002)

Colocadas tais premissas, impõe-se o afastamento da acusação do paciente pelo crime de uso de documento falso, remanescendo apenas a imputação de falsificação de documento público.

Ante o exposto, denego a ordem. De ofício, concedo a ordem para trancar a ação penal quanto ao crime de uso de documento falso, devendo prosseguir no que concerne às demais imputações.

É como voto.

CERTIDÃO DE JULGAMENTO

SEXTA TURMA

Número Registro: 2006⁄0256043-0


PROCESSO ELETRÔNICO

HC 70.703 ⁄ GO

Número Origem: 200335000000991

MATÉRIA CRIMINAL

EM MESA

JULGADO: 23⁄02⁄2012



Relator

Exmo. Sr. Ministro OG FERNANDES

Presidente da Sessão

Exma. Sra. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA

Subprocuradora-Geral da República

Exma. Sra. Dra. ZÉLIA OLIVEIRA GOMES

Secretário

Bel. ELISEU AUGUSTO NUNES DE SANTANA

AUTUAÇÃO

IMPETRANTE

:

DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO

ADVOGADO

:

ANDRÉ DO NASCIMENTO DEL FIACO - DEFENSOR PÚBLICO DA UNIÃO

IMPETRADO

:

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1A REGIÃO

PACIENTE

:

DENÍZIA BRANDÃO LEAL

ASSUNTO: DIREITO PENAL - Crimes contra a Fé Pública - Uso de documento falso

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia SEXTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

"A Turma, por unanimidade, denegou a ordem, expedindo, contudo, habeas corpus de ofício, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator."

Os Srs. Ministros Sebastião Reis Júnior, Vasco Della Giustina (Desembargador convocado do TJ⁄RS) e Maria Thereza de Assis Moura votaram com o Sr. Ministro Relator.

Presidiu o julgamento a Sra. Ministra Maria Thereza de Assis Moura.

Documento: 1123710

Inteiro Teor do Acórdão

- DJe: 07/03/2012

Link para consultar esta decisão na fonte:

https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSeq=1123710&sReg=200602560430&sData=20120307&formato=HTML


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