sexta-feira, 8 de julho de 2011

TEORIA DO FATO CONSUMADO



Por Luiz Carlos Nogueira

nogueirablog@gmail.com

A Teoria do Fato Consumado se explica pela decorrência de um logo tempo em que um ato administrativo ilegal foi praticado por uma autoridade competente, consolidando-se de tal forma, que resulta no reconhecimento de um direito.

Por exemplo, a nomeação de um servidor público, que não tivesse reunido na época, um ou mais requisitos complementares exigidos por edital, tendo assim permanecido irregular no cargo por alguns anos, de tal sorte, não mais caberia à autoridade administrativa anular seu ato, tendo em vista que a experiência adquirida pelo servidor, seria suficiente para suprir as lacunas. É claro que não seria o caso de convalescer um ato em que não foi cumprida a exigência, por exemplo, de apresentação de diploma necessário para um advogado, um contabilista, um médico, para exercer os cargos que lhes são reservados. Não poderia um mecânico ocupar um desses cargos mencionados, porque o ato de nomeação nesse caso implicaria em nulidade. Do contrário nem haveria como o mecânico executar os serviços desses profissionais, para assim obter experiência.

Portanto, em circunstâncias em que o cargo não exige formação como já exemplificado, ou seja, de advogado, contabilista, médico, não seria correto decretar tardiamente a nulidade do ato. Quando há inércia da autoridade competente, isto é, quando a autoridade deixa de tomar as providências necessárias em tempo hábil, para corrigir o erro, permitindo ou consentindo dessa forma, a existência de uma situação de fato, por um longo tempo, como se legal fosse, resultando que o servidor consiga adquirir experiência suficiente para o desempenho de suas funções, afigura-se inadequado um ato para destituí-lo do cargo, até porque se a administração pública trabalhar com a hipótese de poder, por tempo indefinido, rever os seus atos, fragilizaria a segurança das relações sociais.

Ora, é bem verdade que existe a Súmula 473 do Supremo Tribunal Federal que diz:

Súmula nº 473

A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial.”

Mas é exatamente por isso que há de ser aplicada a Teoria do Fato Consumado, porque esses casos não podem escapar da apreciação judicial, uma vez que consolidam direitos adquiridos e a Administração Pública não tem o condão de considerar o seu poder-dever ilimitado, para rever seus atos.

Em recente decisão (REsp 1200904) que temos notícia, o Superior Tribunal de Justiça manteve no cargo um agente da Polícia Federal que há oito anos contados da sua nomeação até o julgamento do recurso de apelação interposto pela Polícia Federal do Estado do Espírito Santo no TRF da 2ª Região. Imperou, no caso, a Teoria do Fato Consumado, contrariando assim a jurisprudência do órgão, tendo em vista a situação do agente que havia se consolidado no tempo, e portanto, a liminar que permitiu com que o mesmo fosse nomeado de forma irregular, deve prevalecer, não obstante o ministro Humberto Martins (relator) tivesse evidenciado que a força da tese de que o fato consumado não protege decisões precárias, como foi o caso da liminar concedida. Para o ministro relator “A situação do policial, no entanto, ganhou solidez após tantos anos no exercício do cargo e, o que é pior, com o respaldo do Poder Judiciário”.

A justificativa para o afastamento da jurisprudência, vincou-se no fato de que a situação do agente era bem peculiar e por isso afastam os precedentes aplicados por aquela Corte de Justiça. No caso o agente havia sido reprovado na prova de aptidão física, mas por conta da liminar obtida no juízo de primeira instância, depois confirmada por sentença, propiciou-lhe uma segunda chamada.

A decisão, o relator faz referência a Odim Brandão Ferreira (in Fato Consumado, História e Crítica de uma orientação da Jurisprudência Federal, Porto Alegre, 2002, p.19) informando que: “a teoria do fato consumado nasceu em alguns julgados do Supremo Tribunal Federal - STF da década de 1960. Naquela época, várias ações questionavam a possibilidade de regimentos internos de universidades exigirem de seus alunos ‘nota cinco’ para aprovação, até o STF editar o Enunciado da Súmula 58: ’é válida a exigência de média superior a quatro para a aprovação em estabelecimento de ensino superior, consoante o respectivo regimento’.

“Entretanto, a edição da referida súmula não resolvia os casos dos estudantes que obtinham liminares, ingressando em faculdades ou cursando disciplinas acadêmicas sob o pálio dessas decisões provisórias.”

“Diante disso, originou-se a teoria do fato consumado, com o STF chancelando os estudos realizados com base em provimentos cautelares ilegais, sob o pretexto inicial de dúvida objetiva sobre a validade dos regimentos universitários ou até mesmo eqüidade.”

“É por isso que o fato consumado nada mais é do que ‘o argumento judicial utilizado para validar, em sentenças, as atividades ilegais protegidas por liminares, tão-somente porque o beneficiário delas já praticou o ato que lhe interessava, quando chegado o momento de decidir a causa’. E a principal causa do fato consumado é, como bem identifica a Desembargadora Federal Marga Inge Barth ‘a criticada e combatida ‘lentidão do Judiciário’ que enseja a ocorrência da consumação dos fatos, quase sempre à revelia da lei’.”

Veja o teor da decisão:


Superior Tribunal de Justiça
Revista Eletrônica de Jurisprudência

EDcl no AgRg no RECURSO ESPECIAL Nº 1.200.904 - ES (2010⁄0115205-9)

RELATOR

:

MINISTRO HUMBERTO MARTINS

EMBARGANTE

:

UNIÃO

EMBARGADO

:

CARLOS AUGUSTO VALIATE MARTINS

ADVOGADO

:

TIAGO ROCON ZANETTI

EMENTA

RECURSO DE FUNDAMENTAÇÃO VINCULADA. AUSÊNCIA DE OMISSÃO. QUESTÕES PRECLUSAS POR AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL. REDISCUSSÃO DO JULGADO. IMPOSSIBILIDADE.

1. Os embargos de declaração fazem questionamentos a respeito de matéria que sequer foi arguida no agravo regimental.

2. Na decisão monocrática de fls. 1223⁄1229-e, este Relator deu provimento ao recurso especial interposto por Carlos Augusto Valiate Martins, ao fundamento da aplicação da teoria do fato consumado. Contra esta decisão, a União interpôs agravo regimental, às fls. 1234⁄1238-e, cujo objeto foi, única e exclusivamente, a ausência de prequestionamento que impediria o conhecimento do recurso especial.

3. O agravo regimental foi improvido; e agora, em embargos de declaração, a União volta a fazer questionamentos sobre a inaplicabilidade da teoria do fato consumado ao caso concreto. Trata-se, na verdade, de um completo desvirtuamento dos aclaratórios, que não servem para rediscutir julgados, muito menos para reavivar questões preclusas, por ausência de impugnação no momento processual adequado.

Embargos rejeitados.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça: "A Turma, por unanimidade, rejeitou os embargos de declaração, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator, sem destaque." Os Srs. Ministros Herman Benjamin, Mauro Campbell Marques, Cesar Asfor Rocha e Castro Meira votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília (DF), 17 de maio de 2011(Data do Julgamento)

MINISTRO HUMBERTO MARTINS

Relator

EDcl no AgRg no RECURSO ESPECIAL Nº 1.200.904 - ES (2010⁄0115205-9)

RELATOR

:

MINISTRO HUMBERTO MARTINS

EMBARGANTE

:

UNIÃO

EMBARGADO

:

CARLOS AUGUSTO VALIATE MARTINS

ADVOGADO

:

TIAGO ROCON ZANETTI

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO HUMBERTO MARTINS (Relator):

Cuida-se de embargos de declaração opostos pela UNIÃO contra acórdão da Segunda Turma que negou provimento ao agravo regimental, nos termos da seguinte ementa:

"PROCESSUAL CIVIL. PREQUESTIONAMENTO IMPLÍCITO. JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE QUE DIFERE DO JUÍZO DE REJULGAMENTO. ABERTURA DE INSTÂNCIA. PROFUNDIDADE DO EFEITO DEVOLUTIVO. SÚMULA 456⁄STF. APLICAÇÃO DO DIREITO À ESPÉCIE.

1. O Tribunal de origem quando julgou a causa apreciou a questão da violação do princípio da razoabilidade, o que configura o prequestionamento implícito do art. 2º da Lei n. 9.784⁄99.

2. Conhecido o recurso especial por qualquer dos seus fundamentos, opera-se a abertura de instância, de modo que, ao julgá-lo, poderá esta Corte Superior conhecer de ofício, ou por provocação, de todas as matérias que podem ser alegadas a qualquer tempo, bem como, de todas as questões suscitadas e discutidas no processo, mesmo que não tenham sido enfrentadas no acórdão recorrido.

3. É preciso fazer uma diferenciação entre o juízo de admissibilidade e juízo de rejulgamento. Para ser admitido o recurso especial, é indispensável o prequestionamento; mas, uma vez admitido, no juízo de rejulgamento não há qualquer limitação cognitiva, a não ser a limitação horizontal estabelecida pelo recorrente.

4. Trata-se do chamado efeito translativo (profundidade do efeito devolutivo), reconhecido na Sumula 456⁄STF, segundo a qual, 'O Supremo Tribunal Federal, conhecendo do recurso extraordinário, julgará a causa, aplicando o direito à espécie.'

Agravo regimental improvido." (fl. 1247-e)

Alega a embargante que "o acórdão recorrido, data venia, omitiu-se ao deixar de apreciar questões importantíssimas para a defesa da embargante, principalmente no que diz respeito à NÃO CONTINUIDADE do exercício do autor no cargo de Agente de Polícia Federal, uma vez que o mesmo já foi destituído do cargo há quase DOIS ANOS." (fl. 1259-e)

Aduz que "NÃO HÁ SITUAÇÃO CONSOLIDADA pelo decurso do tempo, uma vez que o autor já foi destituído do cargo há quase DOIS ANOS. A situação, portanto, já foi revertida, caracterizando, portanto, óbice à aplicação da Teoria do Fato Consumado à espécie." (fls. 1261-e)

Pugna pelo acolhimento dos embargos de declaração, com efeitos infringentes.

O embargado ofereceu impugnação às fls. 1268⁄1285-e.

É, no essencial, o relatório.

EDcl no AgRg no RECURSO ESPECIAL Nº 1.200.904 - ES (2010⁄0115205-9)

EMENTA

RECURSO DE FUNDAMENTAÇÃO VINCULADA. AUSÊNCIA DE OMISSÃO. QUESTÕES PRECLUSAS POR AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL. REDISCUSSÃO DO JULGADO. IMPOSSIBILIDADE.

1. Os embargos de declaração fazem questionamentos a respeito de matéria que sequer foi arguida no agravo regimental.

2. Na decisão monocrática de fls. 1223⁄1229-e, este Relator deu provimento ao recurso especial interposto por Carlos Augusto Valiate Martins, ao fundamento da aplicação da teoria do fato consumado. Contra esta decisão, a União interpôs agravo regimental, às fls. 1234⁄1238-e, cujo objeto foi, única e exclusivamente, a ausência de prequestionamento que impediria o conhecimento do recurso especial.

3. O agravo regimental foi improvido; e agora, em embargos de declaração, a União volta a fazer questionamentos sobre a inaplicabilidade da teoria do fato consumado ao caso concreto. Trata-se, na verdade, de um completo desvirtuamento dos aclaratórios, que não servem para rediscutir julgados, muito menos para reavivar questões preclusas, por ausência de impugnação no momento processual adequado.

Embargos rejeitados.

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO HUMBERTO MARTINS (Relator):

A embargante opõe um recurso de fundamentação vinculada - que só admite impugnação de decisões omissas, obscuras ou contraditórias - com o objetivo de rediscutir o julgado, alegando omissão inexistente.

Não bastasse isso, os embargos de declaração fazem questionamentos a respeito de matéria que sequer foi arguida no agravo regimental.

Explica-se melhor.

Na decisão monocrática de fls. 1223⁄1229-e, este Relator deu provimento ao recurso especial interposto por Carlos Augusto Valiate Martins, ao fundamento da aplicação da teoria do fato consumado.

Contra esta decisão, a União interpôs agravo regimental, às fls. 1234⁄1238-e, cujo objeto foi, única e exclusivamente, a ausência de prequestionamento que impediria o conhecimento do recurso especial.

O agravo regimental foi improvido; e agora, em embargos de declaração, a União volta a fazer questionamentos sobre a inaplicabilidade da teoria do fato consumado ao caso concreto. Trata-se, na verdade, de um completo desvirtuamento dos aclaratórios, que não servem para rediscutir julgados, muito menos para reavivar questões preclusas, por ausência de impugnação no momento processual adequado.

Ante o exposto, rejeito os presentes embargos de declaração.

É como penso. É como voto.

MINISTRO HUMBERTO MARTINS

Relator

CERTIDÃO DE JULGAMENTO

SEGUNDA TURMA

EDcl no AgRg no

Número Registro: 2010⁄0115205-9


REsp 1.200.904 ⁄ ES

Números Origem: 200050010114095 200150010002080 351055

PAUTA: 17⁄05⁄2011

JULGADO: 17⁄05⁄2011

Relator

Exmo. Sr. Ministro HUMBERTO MARTINS

Presidente da Sessão

Exmo. Sr. Ministro HUMBERTO MARTINS

Subprocurador-Geral da República

Exmo. Sr. Dr. CARLOS EDUARDO DE OLIVEIRA VASCONCELOS

Secretária

Bela. VALÉRIA ALVIM DUSI

AUTUAÇÃO

RECORRENTE

:

CARLOS AUGUSTO VALIATE MARTINS

ADVOGADO

:

TIAGO ROCON ZANETTI

RECORRIDO

:

UNIÃO

ASSUNTO: DIREITO ADMINISTRATIVO E OUTRAS MATÉRIAS DE DIREITO PÚBLICO - Concurso Público ⁄ Edital - Exame de Saúde e⁄ou Aptidão Física

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO

EMBARGANTE

:

UNIÃO

EMBARGADO

:

CARLOS AUGUSTO VALIATE MARTINS

ADVOGADO

:

TIAGO ROCON ZANETTI

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia SEGUNDA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

"A Turma, por unanimidade, rejeitou os embargos de declaração, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator, sem destaque."

Os Srs. Ministros Herman Benjamin, Mauro Campbell Marques, Cesar Asfor Rocha e Castro Meira votaram com o Sr. Ministro Relator.

Documento: 1061897

Inteiro Teor do Acórdão

- DJe: 24/05/2011

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