segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Admitida no STJ, reclamação contra decisum que determinou cumprimento de obrigação impossível.





Luiz Carlos Nogueira

nogueirablog@gmail.com






Trata-se de uma reclamação com pedido de liminar, proposta no Superior Tribunal de Justiça (STJ), por uma revendedora de automóveis, contra acórdão proferido pela Terceira Turma do Conselho Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do Estado do Rio de Janeiro, sob a alegação de que a condenação era impossível de ser cumprida, porquanto uma cliente havia ajuizado ação declaratória de inexistência de débito, visando obrigar a empresa a rescindir o contrato de financiamento celebrado entre a cliente e uma financeira, cancelando os débitos existentes em seu nome, correspondentes ao valor do veículo, bem como para determinar a exclusão de quaisquer apontamentos eventualmente inscritos nos cadastros dos órgãos de proteção ao crédito, devendo tudo ser cumprido no prazo de 30 dias, sob pena de aplicação de multa igual ao dobro de quaisquer valores que fossem cobrados desobedecendo a decisão.

Em sua alegação a revendedora afirmou ser impossível efetuar a rescisão do contrato de financiamento do veículo, porquanto o mesmo foi firmado entre a cliente e a financeira, sendo ela, a revendedora, apenas a intermediadora da operação de financiamento, não devendo, por conseguinte, figurar do pólo passivo da ação, por ser parte ilegítima. Alias, ainda alegou que a jurisprudência consolidada do STJ, já pacificou o entendimento de que não cabe impor obrigação e fixar multa, nos casos em que o cumprimento de um ato dependa da vontade de terceiro.

No caso apresentado, como não é possível Recurso Especial contra as decisões das turmas recursais dos juizados estaduais, a Reclamação é o remédio que deve ser usado para dirimir divergência entre as decisões e as súmulas ou jurisprudências consolidadas do STJ, bem como, para impedir que se consolidem entendimentos divergentes da jurisprudência do tribunal. Ao admitir a Reclamação, a Ministra Maria Isabel Gallotti (Relatora) ressalvou que essa possibilidade se aplica quando há necessidade de revisar decisões aberrantes, reconhecendo ser obrigação de impossível cumprimento pela reclamante.




Conheça o teor da decisão:

Superior Tribunal de Justiça

RECLAMAÇÃO Nº 6.587 - RJ (2011/0190091-1)

RELATORA : MINISTRA MARIA ISABEL GALLOTTI

RECLAMANTE : EUROBARRA RIO LTDA

ADVOGADO : MARTA MARTINS FADEL E OUTRO(S)

RECLAMADO : TERCEIRA TURMA DO CONSELHO RECURSAL DOS

JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS E CRIMINAIS DO ESTADO

DO RIO DE JANEIRO - RJ

INTERES. : DILVÂNIA DOS SANTOS OLIVEIRA

DECISÃO

Trata-se de reclamação, com pedido de liminar, proposta por Eurobarra Rio Ltda em face de acórdão proferido pela Terceira Turma do Conselho Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do Estado do Rio de Janeiro - RJ, que negou provimento a recurso inominado interposto pela reclamante, mantendo condenação em prestação supostamente impossível estabelecida na sentença, e, dessa forma, teria contrariado a orientação jurisprudencial desta Corte.

Relata a reclamante, em síntese, que, em ação declaratória de inexistência de débito ajuizada por Dilvânia dos Santos Oliveira, foi condenado a:

1) rescindir contrato de financiamento para aquisição de veículo celebrado entre a autora e terceiro (Banco Itauleasing S/A);

2) cancelar todo e qualquer débito existente em nome da autora referente ao valor do automóvel;

3) providenciar a exclusão de qualquer apontamento restritivo nos cadastros de proteção ao crédito realizado com base no objeto deste litígio;

Ficando estabelecido prazo de 30 (trinta) dias para cumprimento, sob pena de multa do dobro do que viesse a ser cobrado em desconformidade com a decisão.

Aduz ser impossível cumprir as determinações impostas já que apenas intermediou o contrato entre a consumidora e a financeira (Banco Itauleasing S/A), sendo parte ilegítima para figurar no pólo passivo da ação, argumento que vem defendendo desde a contestação.

Mencionando precedentes desta Corte, defende a reclamante que a jurisprudência desta Corte consolidou entendimento no sentido de ser "descabido impor obrigação de fazer e fixar astreinte caso se trate de ato que dependa da vontade de terceiro, pois, caso este decida não praticar o ato indispensável ao cumprimento da obrigação, esta se torna impossível" (e-STJ fl. 32), em verdadeira afronta ao art. 248 do Código Civil.

Requer, liminarmente, a suspensão do processo originário até decisão desta Corte, evitando-se a incidência da multa estabelecida e, no mérito, a procedência da presente reclamação, para cassar o acórdão reclamado e julgar improcedentes os pedidos autorais.

Assim delimitada a controvérsia, passo a decidir.

Cumpre, inicialmente, ressaltar que a Corte Especial, apreciando questão de ordem levantada na Rcl 3752/GO, em razão do decidido nos EDcl no RE 571.572/BA (STF, Rel. Ministra Ellen Gracie), admitiu a possibilidade do ajuizamento de reclamação perante o STJ, objetivando, assim, adequar as decisões proferidas pelas Turmas Recursais dos Juizados Estaduais à súmula ou jurisprudência dominante nesta Corte.

A mencionada espécie de reclamação foi disciplinada pela Resolução 12/2009. Ela não se confunde com uma terceira instância para julgamento da causa, e tem âmbito de abrangência necessariamente mais limitado do que o do recurso especial, incabível nos processos oriundos dos Juizados Especiais. Trata-se de instrumento destinado, em caráter excepcionalíssimo, a evitar a consolidação de interpretação do direito substantivo federal ordinário divergente da jurisprudência pacificada pelo STJ.

A 2ª Seção, no julgamento das Reclamações 3.812 e 6.721, interpretando a citada resolução, decidiu que a jurisprudência do STJ a ser considerada para efeito do cabimento da reclamação é apenas a relativa a direito material, consolidada em súmulas ou teses adotadas no julgamento de recursos repetitivos (CPC, art. 543-C). Não se admitirá, desse modo, a propositura de reclamações somente com base em precedentes tomados no julgamento de recursos especiais. Questões processuais resolvidas pelos Juizados não são passíveis de reclamação, dado que o processo, nos juizados especiais, orienta-se pelos princípios da Lei 9.099/95. Fora desses critérios foi ressalvada somente a possibilidade de revisão de decisões aberrantes.

Ficou decidido, também, que quando se tratar de contrariedade a enunciado de Súmula, deve o reclamante trazer à colação os acórdãos que deram origem ao enunciado, demonstrando similitude fática entre as questões confrontadas.

No caso em exame, a questão jurídica objeto da reclamação não é definida em súmula e nem foi decidida sob o rito do art. 543, do CPC. Verifico, todavia, em juízo perfunctório, que a decisão se mostra teratológica haja vista impor ao reclamante prestações que, segundo evidenciam, dependeriam da vontade de terceiro, constituindo-se em verdadeira hipótese de obrigação de impossível cumprimento pela reclamante.

Admito, portanto, a presente reclamação, nos termos do art. 2º da Resolução n. 12/2009-STJ.

Oficie-se à Terceira Turma do Conselho Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do Estado do Rio de Janeiro - RJ, comunicando o processamento da reclamação e solicitando informações.

Após, publique-se, na forma do inciso III do mesmo dispositivo, para as partes, caso julguem necessário, pronunciarem-se.

Brasília (DF), 19 de dezembro de 2011.

MINISTRA MARIA ISABEL GALLOTTI

Relatora

Documento: 19393861 - Despacho / Decisão - Site certificado - DJe: 02/02/2012

Link para consultar esta decisão na fonte:

https://ww2.stj.jus.br/websecstj/decisoesmonocraticas/frame.asp?url=/websecstj/cgi/revista/REJ.cgi/MON?seq=19393861&formato=PDF

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