Luiz Carlos Nogueira
O Código de Proteção e Defesa do Consumidor (CPDC) não é
aplicável aos contratos de fomento mercantil, comumente chamado de factoring,
porquanto esse serviço não se destina ao consumidor final, pois o artigo 2º do mesmo código define “consumidor” como
a pessoa física ou jurídica que utiliza o produto ou serviço como destinatária
final.
Este entendimento ficou assentado pela Quarta Turma do
Superior Tribunal de Justiça (STJ), posto que se o serviço prestado pelas factorings são utilizados na cadeia
produtiva, não cabe a uma empresa alegar que se trata de uma mera consumidora.
Além do mais, conforme o relator do processo, ministro Luis Felipe Salomão,
deixou claro que as empresas de fomento mercantil não se enquadram no conceito
legal de empresas ou instituições financeiras, até porque o Banco Central não
regula os serviços das factorings.
Aliás, as empresas de factoring e seus operadores, não
captam recursos de terceiros como fazem os bancos — ao contrário, empregam seus
próprios recursos.
O que ficou decidido pela referida Turma do STJ, originou-se
de uma ação proposta por uma empresa, contra uma factoring, alegando que o contrato firmado para a aquisição de
créditos, assessoria de créditos e acompanhamento da sua carteira de contas,
continha cláusulas abusivas, não amparadas pelo CDPC, porque ficaram ao
arbítrio da empresa de factoring
várias cláusulas do instrumento contratual.
Eis o acórdão na íntegra, para conhecimento do leitor:
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Superior Tribunal de Justiça
Revista Eletrônica de Jurisprudência |
RECURSO ESPECIAL Nº 938.979 - DF (2007⁄0075055-2)
RELATOR
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MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO
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RECORRENTE
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CROI - CENTRO DE REABILITAÇÃO ORAL INTEGRADO LTDA
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ADVOGADO
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AUCELI ROSA DE OLIVEIRA E OUTRO(S)
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RECORRIDO
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PRIMUS FACTORING FOMENTO MERCANTIL LTDA
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ADVOGADO
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TRISTANA CRIVELARO SOUTO E OUTRO(S)
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EMENTA
CONTRATO
DE FACTORING. RECURSO ESPECIAL. CARACTERIZAÇÃO DO ESCRITÓRIO DE FACTORING
COMO INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. DESCABIMENTO. APLICAÇÃO DE DISPOSITIVOS DO
CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR À AVENÇA MERCANTIL, AO FUNDAMENTO DE SE TRATAR
DE RELAÇÃO DE CONSUMO. INVIABILIDADE.
1. As
empresas de factoring não são instituições financeiras, visto que suas
atividades regulares de fomento mercantil não se amoldam ao conceito legal,
tampouco efetuam operação de mútuo ou captação de recursos de terceiros.
Precedentes.
2. "A relação de consumo
existe apenas no caso em que uma das partes pode ser considerada destinatária
final do produto ou serviço. Na hipótese em que produto ou serviço são
utilizados na cadeia produtiva, e não há considerável desproporção entre o
porte econômico das partes contratantes, o adquirente não pode ser considerado
consumidor e não se aplica o CDC, devendo eventuais conflitos serem resolvidos
com outras regras do Direito das Obrigações". (REsp 836.823⁄PR, Rel. Min.
SIDNEI BENETI, Terceira Turma, DJ de 23.8.2010).
3. Com efeito, no caso em julgamento,
verifica-se que a ora recorrida não é destinatária final, tampouco se
insere em situação de vulnerabilidade, porquanto não se apresenta como
sujeito mais fraco, com necessidade de proteção estatal, mas como sociedade
empresária que, por meio da pactuação livremente firmada com a recorrida, obtém
capital de giro para operação de sua atividade empresarial, não havendo, no
caso, relação de consumo.
4.
Recurso especial não provido.
ACÓRDÃO
Vistos,
relatados e discutidos estes autos, os Ministros da QUARTA TURMA do Superior
Tribunal de Justiça acordam, na conformidade dos votos e das notas
taquigráficas a seguir, por unanimidade, negar provimento ao
recurso especial, nos termos do voto do Senhor Ministro Relator. Os Srs.
Ministros Raul Araújo, Maria Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira e Marco
Buzzi votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília
(DF), 19 de junho de 2012(Data do Julgamento)
MINISTRO
LUIS FELIPE SALOMÃO
Relator
RECURSO ESPECIAL Nº 938.979 - DF
(2007⁄0075055-2)
RECORRENTE
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CROI - CENTRO DE REABILITAÇÃO
ORAL INTEGRADO LTDA
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ADVOGADO
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AUCELI ROSA DE OLIVEIRA E
OUTRO(S)
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RECORRIDO
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PRIMUS FACTORING FOMENTO
MERCANTIL LTDA
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ADVOGADO
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TRISTANA CRIVELARO SOUTO E
OUTRO(S)
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RELATÓRIO
O SENHOR
MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator):
1. CROI -
Centro de Reabilitação Oral Integrado Ltda. ajuizou ação declaratória de
revisão de contrato em face de Primus Factoring Fomento Mercantil Ltda. Afirma
que, em 2 de março de 1999, firmou com a ré contrato de fomento mercantil
prevendo a compra total ou parcial de títulos de crédito, emitidos para
pagamento a prazo resultantes de venda mercantis ou de prestação de serviços
realizados pela autora, assim como a prestação cumulativa e contínua de
serviços de assessoria creditícia, mercadológica, de gestão de crédito, seleção
de riscos, acompanhamento da "carteira de contas a receber e pagar".
Assevera que o contrato possui cláusulas abusivas, puramente potestativas, que
violam o Código de Defesa do Consumidor.
O Juízo
da 4ª Vara Cível da Circunscrição Judiciária de Brasília julgou improcedentes
os pedidos formulados na inicial e procedente a cautelar de exibição de
documentos para que a ré a apresentasse a última folha do contrato -
providência satisfeita pela ré.
Interpôs
a autora apelação para o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios,
que negou provimento ao recurso.
A decisão
tem a seguinte ementa:
CONTRATO DE FACTORING. REVISÃO DE
CLÁUSULAS CONTRATUAIS. NÃO INCIDÊNCIA DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR.
SOLUÇÃO À LUZ DO CÓDIGO CIVIL. INAPLICABILIDADE DA TEORIA DA IMPREVISÃO.
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS FIXADOS EM QUANTIA MÓDICA. MAJORAÇÃO.
1. O CONTRATO TÍPICO DE FACTORING NÃO ENCERRA RELAÇÃO DE CONSUMO, PORQUE A EMPRESA FATURIZADA NÃO SE ENQUADRA NO CONCEITO DE CONSUMIDORA, NA MEDIDA EM QUE A VENDA DOS SEUS DIREITOS CREDITÓRIOS AO FATURIZADOR TEM POR ESCOPO FOMENTAR A SUA ATIVIDADE COMERCIAL. AUSENTE A RELAÇÃO DE CONSUMO, NÃO HÁ QUE SE APLICAR O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR.
2. A REVISÃO DO CONTRATO À LUZ DO CÓDIGO CIVIL IMPLICA NA INCIDÊNCIA DA TEORIA DA IMPREVISÃO, MAS NÃO RESTANDO DEMONSTRADA A OCORRÊNCIA DE ACONTECIMENTOS EXTRAORDINÁRIOS OU IMPREVISÍVEIS QUE POSSAM ENSEJAR O DESEQUILÍBRIO CONTRATUAL, MANTEM-SE O AJUSTE NA FORMA PACTUADA PELAS PARTES, NO ÂMBITO DA LIBERDADE DE CONTRATAR.
3. IMPÕE-SE A MAJORAÇÃO DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS QUANDO ARBITRADOS EM QUANTIA MÓDICA, EM DESOBEDIÊNCIA ÀS DISPOSIÇÕES CONSTANTES DO ART. 20 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL.
4. RECURSO INTERPOSTO NA AÇÃO CAUTELAR CONHECIDO E PROVIDO PARA MAJORAR A VERBA HONORÁRIA. RECURSO INTERPOSTO NA AÇÃO PRINCIPAL CONHECIDO E IMPROVIDO.
1. O CONTRATO TÍPICO DE FACTORING NÃO ENCERRA RELAÇÃO DE CONSUMO, PORQUE A EMPRESA FATURIZADA NÃO SE ENQUADRA NO CONCEITO DE CONSUMIDORA, NA MEDIDA EM QUE A VENDA DOS SEUS DIREITOS CREDITÓRIOS AO FATURIZADOR TEM POR ESCOPO FOMENTAR A SUA ATIVIDADE COMERCIAL. AUSENTE A RELAÇÃO DE CONSUMO, NÃO HÁ QUE SE APLICAR O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR.
2. A REVISÃO DO CONTRATO À LUZ DO CÓDIGO CIVIL IMPLICA NA INCIDÊNCIA DA TEORIA DA IMPREVISÃO, MAS NÃO RESTANDO DEMONSTRADA A OCORRÊNCIA DE ACONTECIMENTOS EXTRAORDINÁRIOS OU IMPREVISÍVEIS QUE POSSAM ENSEJAR O DESEQUILÍBRIO CONTRATUAL, MANTEM-SE O AJUSTE NA FORMA PACTUADA PELAS PARTES, NO ÂMBITO DA LIBERDADE DE CONTRATAR.
3. IMPÕE-SE A MAJORAÇÃO DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS QUANDO ARBITRADOS EM QUANTIA MÓDICA, EM DESOBEDIÊNCIA ÀS DISPOSIÇÕES CONSTANTES DO ART. 20 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL.
4. RECURSO INTERPOSTO NA AÇÃO CAUTELAR CONHECIDO E PROVIDO PARA MAJORAR A VERBA HONORÁRIA. RECURSO INTERPOSTO NA AÇÃO PRINCIPAL CONHECIDO E IMPROVIDO.
Inconformada
com a decisão colegiada, interpôs a autora recurso especial, com fundamento no
artigo 105, inciso III, alíneas "a" e "c", da Constituição
Federal sustentando divergência jurisprudencial e violação ao artigo 3º, § 2º,
do Código de Defesa do Consumidor.
Afirma
que, nos termos do artigo 3º, § 2º, do Código de Defesa do Consumidor, há
relação de consumo, na medida em que toda e qualquer atividade financeira
amolda-se a esse conceito.
Sustenta
que o egrégio Supremo Tribunal Federal decidiu, no julgamento da ADI 2.591, que
as instituições financeiras estão, todas elas, alcançadas pela incidência das
normas consumeristas.
Acena que
há precedente desta Corte reconhecendo contrato firmado com empresa de
factoring, configurando relação de consumo.
Não houve
oferecimento de contrarrazões.
O recurso
especial foi admitido.
É o
relatório.
RECURSO ESPECIAL Nº 938.979 - DF
(2007⁄0075055-2)
RELATOR
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:
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MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO
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RECORRENTE
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CROI - CENTRO DE REABILITAÇÃO
ORAL INTEGRADO LTDA
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ADVOGADO
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:
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AUCELI ROSA DE OLIVEIRA E
OUTRO(S)
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RECORRIDO
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PRIMUS FACTORING FOMENTO
MERCANTIL LTDA
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ADVOGADO
|
:
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TRISTANA CRIVELARO SOUTO E
OUTRO(S)
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EMENTA
CONTRATO
DE FACTORING. RECURSO ESPECIAL. CARACTERIZAÇÃO DO ESCRITÓRIO DE FACTORING
COMO INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. DESCABIMENTO. APLICAÇÃO DE DISPOSITIVOS DO
CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR À AVENÇA MERCANTIL, AO FUNDAMENTO DE SE TRATAR
DE RELAÇÃO DE CONSUMO. INVIABILIDADE.
1. As
empresas de factoring não são instituições financeiras, visto que suas
atividades regulares de fomento mercantil não se amoldam ao conceito legal,
tampouco efetuam operação de mútuo ou captação de recursos de terceiros.
Precedentes.
2. "A relação de consumo
existe apenas no caso em que uma das partes pode ser considerada destinatária
final do produto ou serviço. Na hipótese em que produto ou serviço são
utilizados na cadeia produtiva, e não há considerável desproporção entre o
porte econômico das partes contratantes, o adquirente não pode ser considerado
consumidor e não se aplica o CDC, devendo eventuais conflitos serem resolvidos
com outras regras do Direito das Obrigações". (REsp 836.823⁄PR, Rel. Min.
SIDNEI BENETI, Terceira Turma, DJ de 23.8.2010).
3. Com efeito, no caso em
julgamento, verifica-se que a ora recorrida não é destinatária final, tampouco
se insere em situação de vulnerabilidade, porquanto não se apresenta como
sujeito mais fraco, com necessidade de proteção estatal, mas como sociedade empresária
que, por meio da pactuação livremente firmada com a recorrida, obtém capital de
giro para operação de sua atividade empresarial, não havendo, no caso, relação
de consumo.
4.
Recurso especial não provido.
VOTO
O SENHOR
MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator):
2. O
artigo 17 da Lei 4.595⁄64 dispõe:
Art. 17. Consideram-se
instituições financeiras, para os efeitos da legislação em vigor, as pessoas
jurídicas públicas ou privadas, que tenham como atividade principal ou
acessória a coleta, intermediação ou aplicação de recursos financeiros próprios
ou de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira, e a custódia de valor de
propriedade de terceiros.
Parágrafo único. Para os efeitos
desta lei e da legislação em vigor, equiparam-se às instituições financeiras as
pessoas físicas que exerçam qualquer das atividades referidas neste artigo, de
forma permanente ou eventual.
Portanto,
para logo se conclui que as empresas de factoring não são instituições
financeiras, visto que as empresas que exercem atividade de fomento mercantil
não se amoldam ao conceito legal, tampouco efetuam operação de mútuo ou
captação de recursos de terceiros:
Esta modalidade de contrato não é
própria das atividades bancárias, mas utilizada por estabelecimentos
diferentes, nas operações de comerciantes ou industriais em venda de títulos de
crédito. Tem, no entanto, alguma semelhança com os descontos de títulos que se
procede junto aos bancos.
Efetivamente, não se consideram
as empresas que atuam no factoring instituições financeiras reguladas
pelo Banco Central do Brasil. Nem são disciplinadas pela Lei nº 4.595, de
31.12.1964. Em verdade, o art. 17 desta Lei conceitua como bancos as pessoas
jurídicas que visem ou tenham por finalidade básica a coleta, a intermediação
ou aplicação de recursos financeiros de terceiros ou próprios. Já a finalidade
que leva a constituir uma empresa de factoring nunca será a coleta ou
captação de recursos monetários e a intermediação - o que é característico das
instituições financeiras. Nesta ordem, não integram os escritórios de factoring
o Sistema Financeiro Nacional. Verdade que a sua maior finalidade consiste
na aplicação de recursos próprios e não de terceiros. Não se lhes permite a
captação de dinheiro, sob pena de passar a desempenhar uma atividade específica
de bancos. (RIZZARDO, Arnaldo. Contratos. 7 ed. Rio de Janeiro: Forense,
2008, ps. 1.385)
-------------------------------------------------------------------------------------------------------
O referido art. 17 da Lei
4.595⁄64 considera como instituições financeiras as pessoas jurídicas públicas
ou privadas, que tenham como atividade principal ou acessória a coleta,
intermediação ou aplicação de recursos financeiros próprios ou de terceiros em moeda
nacional ou estrangeira, e a custódia de valor de propriedade de
terceiros. Diante desse parâmetro legal acerca das atividades que somente
podem ser praticadas por instituições financeiras, cujo funcionamento deverá
ser autorizado pelo Banco Central, a doutrina inclina-se em afirmar que, muito
embora encontremos na faturização alguns aspectos de financiamento,
adiantamento e desconto, essas operações, quando realizadas com recursos
próprios e não coletados de terceiros, não se acham sob controle do Banco
Central, pois falta-lhes a presença do trinômio - coleta, intermediação e
aplicação de recursos.
[...]
Dessa forma, caberá ao
faturizador a cobrança de preço pelo serviço prestado e pelo risco assumido,
preço este que não pode ser confundido com juros. (BERTOLDI, Marcelo M.;
RIBEIRO, Marcia Carla Pereira. Curso Avançado de Direito Comercial. 5
ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 819)
-------------------------------------------------------------------------------------------------------
A aquisição de créditos de
determinada empresa, resultantes de suas vendas mercantis, jamais
confundir-se-á com típica operação de crédito, mesmo porque o funding da
sociedade de fomento mercantil é constituído de recursos próprios, de mútuos de
seus sócios ou acionistas, de mútuos de empresas ligadas ou coligadas, de
linhas de crédito bancário e da incorporação de lucros operacionais, não
podendo utilizar-se de captação legalmente exclusivos de instituições financeiras
definidas na Lei nº 4.595⁄64.
São inconfundíveis as práticas
bancárias com as operações próprias de factoring.
A operação de fomento mercantil
não é operação de crédito, uma vez que a empresa-cliente vende a vista e as
sociedades de fomento mercantil compram a vista, em dinheiro, os direitos
resultantes das vendas mercantis efetuadas por sua cliente.
Essa alienação, venda ou cessão
de créditos mercantis entre duas empresas tipificam uma autêntica venda
mercantil, que era regulada pelo art. 191 do antigo Código Comercial.
[...]
É importante esclarecer que o
objeto da obrigação da empresa-cliente é a garantia de solvência e não a
restituição do valor que recebeu pela venda de seus créditos.
Diante desses conceitos e
definições, o fomento mercantil não é nem pode ser considerado uma operação de
crédito.
Do mútuo diferencia-se por duas
razões precisas. A primeira é que no empréstimo de coisa fungível perfaz-se a
transferência de um bem presente, isto é, o dinheiro (que o mutuário não tem) à
qual se junta a obrigação de transferir o bem futuro que o mutuário assume
(porque no momento da conclusão do mútuo o bem futuro não existe). E
ainda, no mútuo, o mutuário deve restituir a coisa no mesmo gênero, qualidade e
quantidade, enquanto no factoring a empresa-cliente não necessita
efetuar qualquer restituição.
O que efetivamente deve ocorrer
nas operações das sociedades de fomento mercantil não é mútuo (financiamento,
desconto ou adiantamento de recursos), mas uma venda e compra de créditos
(direitos), por um preço pactuado entre as partes. Pelo endosso opera-se a
alienação desses direitos de obrigações ou de créditos (coisas móveis),
representados pro títulos de crédito. (LEITE, Luiz Lemos. Factoring no
Brasil. 10 ed. São Paulo: Atlas, 2005, ps. 221-224)
Esta é a
remansosa jurisprudência do STJ:
AGRAVO REGIMENTAL - AÇÃO
DECLARATÓRIA - NULIDADE DE NOTAS PROMISSÓRIAS - EMPRESA DE FACTORING -
REALIZAÇÃO DE EMPRÉSTIMOS E DE DESCONTO DE TÍTULOS COM GARANTIA DE DIREITO DE
REGRESSO - IMPOSSIBILIDADE - PRÁTICA PRIVATIVA DE INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS
INTEGRANTES DO SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL - PRECEDENTES DESTA CORTE -
INCIDÊNCIA DO ENUNCIADO N. 83 DA SÚMULA⁄STJ - ADEMAIS, ENTENDIMENTO OBTIDO DA
ANÁLISE DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO - REEXAME DE PROVAS - ÓBICE DO ENUNCIADO
N. 7 DA SÚMULA⁄STJ - MANUTENÇÃO DA DECISÃO AGRAVADA - AGRAVO IMPROVIDO.
(AgRg no Ag 1071538⁄SP, Rel.
Ministro MASSAMI UYEDA, TERCEIRA TURMA, julgado em 03⁄02⁄2009, DJe 18⁄02⁄2009)
-------------------------------------------------------------------------------------------------------
AÇÃO REVISIONAL. CONTRATO DE
COMPRA E VENDA COM RESERVA DE DOMÍNIO. EMPRESA DE FACTORING. LIMITAÇÃO DA TAXA
DE JUROS. COMISSÃO DE PERMANÊNCIA. INCIDÊNCIA DA LEI DE USURA.
- Tratando-se de empresa que
opera no ramo de factoring, não integrante do Sistema Financeiro Nacional, a
taxa de juros deve obedecer à limitação prevista no art. 1º do Decreto n.
22.626, de 7.4.1933.
- Exigência descabida da comissão
de permanência e da capitalização mensal dos juros.
- Incidência das Súmulas ns. 5 e
7-STJ quanto à pretensão de empregar-se a TR como fator de atualização
monetária.
Recurso especial não conhecido.
(REsp 489.658⁄RS, Rel. Ministro
BARROS MONTEIRO, QUARTA TURMA, julgado em 05⁄05⁄2005, DJ 13⁄06⁄2005, p. 310)
-------------------------------------------------------------------------------------------------------
CONTRATO DE FINANCIAMENTO.
EMPRESA DE FACTORING. LIMITAÇÃO DA TAXA DE JUROS. INCIDÊNCIA DA LEI DE USURA.
– Tratando-se de empresa que
opera no ramo de factoring, não integrante do Sistema Financeiro Nacional, a
taxa de juros deve obedecer à limitação prevista no art. 1º do Decreto nº
22.626, de 7.4.1933.
Recurso especial não conhecido.
(REsp 330.845⁄RS, Rel. Ministro
BARROS MONTEIRO, QUARTA TURMA, julgado em 17⁄06⁄2003, DJ 15⁄09⁄2003, p. 322)
3. O
acórdão recorrido dispôs:
Cuida a espécie de típico
contrato de factoring, havendo controvérsia acerca da incidência ou não do
Código de Defesa do Consumidor.
A atividade comercial de
factoring equaciona operação de prestação de serviços e compra de direitos
creditórios.
O contrato firmado pelas partes
prevê que: “O presente contrato tem por objeto o fomento mercantil das
atividades da Contratante, pela contratada, mediante a prestação de serviços em
caráter cumulativo e contínuo, como: a verificação da situação creditícia dos
sacados da contratante; a compra total ou parcial de títulos de créditos
representativos de vendas mercantis e⁄ou prestação de serviços feitos pela
contratante”.
Com efeito, tenho que na espécie
não há relação de consumo, porque a apelante não se enquadra no conceito de
consumidora, ou seja, destinatária final do bem, na medida em que a venda dos
direitos creditórios tem por escopo a fomentação da sua atividade
comercial.Logo, a lide deverá ser resolvida à luz do Código Civil.
[...]
Escorreitos, pois, os fundamentos
da r. sentença, porque não restou demonstrada a ocorrência de acontecimentos
extraordinários e imprevisíveis capazes de acarretar o desequilíbrio
contratual, devendo, por esse modo, prevalecer o ajuste na forma pactuada entre
as partes, no âmbito da liberdade de contratar. (fls. 209- 211)
Dessarte,
tomando-se em consideração a moldura fática apurada pela Corte local e o
narrado na inicial, fica nítido que o contrato firmado pelas partes -
faturizadora e sociedade empresária faturizada -, em nada se distancia das
diversas modalidades do contrato de factoring, que, de fato, podem prever a
prestação de serviços de verificação da situação creditícia dos sacados da
contratante, ou a compra total e parcial de títulos de créditos,
representativos de vendas ou prestação de serviços feitos pela faturizada:
O factoring é a execução
contínua
I - de prestação de serviços:
a) ou de alavancagem
mercadológica (busca de novos clientes, produtos e mercados);
b) ou pesquisa cadastral;
c) ou de seleção de compradores
sacados ou fornecedores;
d) ou de acompanhamento de contas
a receber e a pagar;
e) conjugada com:
II - a compra de créditos
(direitos) resultantes das vendas mercantis realizadas a prazo pela
empresa-cliente.
Conceituação de factoring:
É um mecanismo de gestão
comercial:
- expande os ativos;
- aumenta as vendas;
- aumenta a produtividade da empresa-cliente porque elimina o seu endividamento e reduz os seus custos;
- transforma vendas a prazo em vendas a vista;
a empresa passa a ter caixa
(dinheiro "vivo") sem fazer dívidas. (LEITE, Luiz Lemos. Factoring
no Brasil. 10 ed. São Paulo: Atlas, 2005, ps. 22 e 23)
------------------------------------------------------------------------------------------------------
Faturização - ou "fomento
mercantil" - é o contrato pelo qual uma instituição [...] (faturizadora)
se obriga a cobrar os devedores de um empresário (faturizado), prestando a este
os serviços de administração de crédito.
Como se pode perceber, quando um
empresário concede crédito aos consumidores ou aos compradores de seus produtos
ou serviços, ele passa a ter mais uma preocupação empresarial, consistente na
necessidade de se administrar a concessão do crédito. Isto compreende não
somente o controle dos vencimentos, o acompanhamento da flutuação das taxas de
juros, os contatos com os inadimplentes, a adoção das medidas
assecuratórias do direito creditício, como também a cobrança judicial propriamente
dita. Além disso, o empresário, ao conceder crédito, assume o risco de
insolvência do consumidor ou do comprador.
Claro que, em tese, o empresário
não está obrigado a abrir crédito a quem procura os produtos ou serviços por
ele oferecidos. Contudo, a competição econômica, por vezes, não lhe dá outra
alternativa. Se não criar facilidades de pagamento aos seus clientes, o
empresário pode perdê-los para um concorrente.
O contrato de faturização tem a
função econômica de poupar o empresário das preocupações empresariais
decorrentes da outorga de prazos e facilidades para pagamento aos seus
clientes.
[...]
A instituição financeira
faturizadora assume, com a faturização, as seguintes obrigações: a) gerir os
créditos do faturizado, procedendo ao controle dos vencimentos, providenciando
os avisos e protestos assecuratórios do direito creditício, bem como cobrando
os devedores das faturas; b) assumir os riscos do inadimplemento dos devedores
do faturizado; c) garantir o pagamento das faturas objeto de faturização .
Há duas modalidades de
faturização. De um lado, se a instituição financeira garante o pagamento das
faturas antecipando o seu valor ao faturizado, tem-se o conventional
factoring.
[...]
De outro lado, se a instituição
faturizadora paga o valor das faturas ao faturizado apenas no seu vencimento,
tem-se o maturity factoring, modalidade em que estão presentes apenas a
prestação de serviços de administração do crédito e o seguro e ausente o
financiamento. (COELHO, Fabio Ulhoa. Manual de Direito Comercial. 14 ed.
São Paulo: Saraiva,2003, ps. 467 e 468)
-------------------------------------------------------------------------------------------------------
O factoring insere-se
entre as novas técnicas utilizadas modernamente na atividade econômica. Enquanto
o leasing e o franchising, por exemplo, dizem respeito a
técnicas de comercialização, já o factoring liga-se à necessidade de
reposição do capital de giro nas empresas, geralmente nas pequenas e médias.
Bastante assemelhada ao desconto bancário, a operação de factoring repousa
na sua substância, numa mobilização dos créditos de uma empresa; necessitando
de recursos, a empresa negocia os seus créditos cedendo-os à outra, que se
incumbe de cobrá-los, adiantando-lhe o valor desses créditos (conventional
factoring) ou pagando-os no vencimento (maturity factoring);
obriga-se contudo a pagá-los mesmo em caso de inadimplemento por parte por
parte do devedor da empresa. Singelamente pode-se falar em venda do
faturamento de uma empresa à outra, que se incumbe de cobrá-lo, recebendo
em pagamento uma comissão....
[...]
Pode-se, pois, classificar o
contrato de factoring como contrato bilateral, consensual,
comutativo, oneroso, de execução continuada, intuitu personae,
interempresarial e atípico. (BULGARELLI, Waldirio. Contratos
Mercantis. 13 ed. São Paulo: Atlas, 2000, ps. 541-546)
4. Como é
incontroverso nos autos, o contrato firmado pelas partes em nada se distancia
do contrato de factoring, limitando-se a questão controvertida principal em
saber se, em contrato de fomento mercantil, regularmente firmando por
sociedades empresárias, o faturizador se enquadra ao conceito de fornecedor de
serviços, nos moldes do disposto no artigo 3º, § 2º, do Código de Defesa do
Consumidor.
4.1.
O legislador ordinário, em observância ao disposto no artigo 48 do Ato das
Disposições Constitucionais Transitórias e, sobretudo, aos princípios e valores
que a Carta Magna alberga, editou o Código de Defesa do Consumidor (Lei
8.078⁄90):
A inserção dos direitos do
consumidor entre os fundamentais da pessoa e entre os princípios básicos da
ordem econômica não significa apenas o reconhecimento da sua importância pelo
constituinte, com repercussões meramente políticas. Tem, ao contrário,
relevância jurídica para a interpretação das disposições ordinárias de proteção
dos consumidores. Com efeito, tais disposições não podem ser interpretadas
isoladamente, como se a tutela do consumidor estivesse dissociada ou se
contrapusesse aos demais elementos regradores da ordem econômica (cf. Comparato,
1990:70⁄71). Nesse contexto, a interpretação de qualquer lei ordinária
protetora dos consumidores não pode representar desestímulo à produção pelos
particulares, nem contrariar outros aspectos do direito privado - basicamente
do direito comercial-, destinados a propiciar as condições para o exercício da
atividade econômica em um sistema de feitio neoliberal (cf. Coelho, 1988:83).
[...]
Em outros termos, a exegese da
legislação tutelar do consumidor não pode ser feita com abstração dos muitos
outros institutos jurídicos de fundamental importância para a economia, como,
aliás, recomenda o próprio Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 4º, III,
ao definir como princípio da política nacional de relações de consumo a
compatibilização da proteção do com a necessidade de desenvolvimento econômico
e tecnológico, em atenção ao princípios regradores da ordem econômica (cf.
Filomeno, 1991:43⁄44). (COELHO, Fábio Ulhoa. O Empresário e os Diretos do
Consumidor. Saraiva: São Paulo, 1994, ps. 23-24)
4.2. O
conceito de consumidor encontra-se encartado no art. 2º do CDC:
Art. 2° Consumidor é toda pessoa
física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário
final.
Parágrafo único. Equipara-se a
consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja
intervindo nas relações de consumo.
Depreende-se,
pois, que o conceito de consumidor foi construído sob ótica objetiva, porquanto
voltada para o ato de retirar o produto ou serviço do mercado, na condição de
seu destinatário final.
Nessa
linha, afastando-se do critério pessoal de definição de consumidor, o
legislador possibilita às pessoas jurídicas a assunção dessa qualidade, desde
que adquiram ou utilizem o produto ou serviço como destinatário final.
Sob esse
enfoque, desnatura-se a relação consumerista se o bem ou serviço passar a
integrar a cadeia produtiva do adquirente, ou seja, for posto à revenda ou
transformado por meio de beneficiamento ou montagem.
Dessarte,
consoante doutrina abalizada sobre o tema, o destinatário final é aquele que
retira o produto da cadeia produtiva - destinatário fático -, mas não para
revendê-lo ou utilizá-lo como insumo na sua atividade profissional -,
destinatário econômico.
Este o
entendimento de Claudia Lima Marques:
Destinatário final seria aquele
destinatário fático e econômico do bem ou serviço, seja ele pessoa física ou
jurídica. Logo, segundo esta interpretação teleológica, não basta ser
destinatário fático do produto, retirá-lo da cadeia de produção, levá-lo para o
escritório ou residência - é necessário ser destinatário final econômico do
bem, não adquiri-lo para revenda, não adquiri-lo para uso profissional, pois o
bem seria novamente um instrumento de produção cujo preço será incluído no
preço final do profissional que o adquiriu. Neste caso, não haveria a exigida
"destinação final" do produto ou serviço, ou, como afirma o STJ,
haveria consumo intermediário, ainda dentro das cadeias de produção e
distribuição.
Manual de Direito do Consumidor.
São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009, p. 71)
No mesmo
sentido, os seguintes precedentes:
AGRAVO REGIMENTAL. DEFICIÊNCIA NA
FORMAÇÃO DO INSTRUMENTO. AUSÊNCIA DE CÓPIA DA PROCURAÇÃO OUTORGADA AO
SUBSCRITOR DAS CONTRA-RAZÕES AO RECURSO ESPECIAL. ALEGAÇÃO DE JUNTADA DE CÓPIA
INTEGRAL DOS AUTOS ORIGINAIS. INSUFICIÊNCIA. CONTRATAÇÃO EM DÓLAR. PAGAMENTO EM
MOEDA NACIONAL, POR PESSOA JURÍDICA COM SEDE NO EXTERIOR. POSSIBILIDADE. CÓDIGO
DE DEFESA DO CONSUMIDOR. INAPLICABILIDADE. INEXISTÊNCIA DE DESTINATÁRIO FINAL
NO CONTRATO FIRMADO ENTRE AS PESSOAS JURÍDICAS.
1. A alegação de juntada de cópia
integral dos autos é insuficiente para a comprovação de que a peça obrigatória
não consta dos autos originais, devendo esta circunstância ser atestada por
meio de certidão emitida por órgão competente. Precedentes.
2. É legítimo o contrato
celebrado em dólar, desde que o pagamento se efetive pela conversão em moeda
nacional. Precedentes.
3. O art. 2º, IV, do Decreto-Lei
857⁄69 autoriza o pagamento em moeda estrangeira no que toca "aos
empréstimos e quaisquer outras obrigações cujo credor ou devedor seja pessoa
residente e domiciliada no exterior".
4. "A relação de consumo
existe apenas no caso em que uma das partes pode ser considerada destinatária
final do produto ou serviço. Na hipótese em que produto ou serviço são
utilizados na cadeia produtiva, e não há considerável desproporção entre o
porte econômico das partes contratantes, o adquirente não pode ser considerado
consumidor e não se aplica o CDC, devendo eventuais conflitos serem resolvidos
com outras regras do Direito das Obrigações" (REsp 836.823⁄PR, Rel. Min.
SIDNEI BENETI, Terceira Turma, DJ de 23.08.2010).
5. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
(AgRg no Ag 1341225⁄RS, Rel.
Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 16⁄11⁄2010, DJe
01⁄12⁄2010)
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CÉDULA DE CRÉDITO COMERCIAL. TBF.
IMPOSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO PARA CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS REMUNERATÓRIOS.
LIMITAÇÃO A 12% AO ANO. MULTA MORATÓRIA. INCIDÊNCIA DO CDC. IMPOSSIBILIDADE.
SÚMULAS 5 E 7. ATIVIDADE INTERMEDIÁRIA. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS. SÚMULA 93⁄STJ.
COMISSÃO DE PERMANÊNCIA. SÚMULAS 30 E 294 DESTA CORTE.
1. "A Taxa Básica Financeira
(TBF) não pode ser utilizada como indexador de correção monetária nos contratos
bancários" (Súmula n.º 287⁄STJ).
2. Resta firmado nesta Corte
incidir a limitação dos juros remuneratórios em 12% ao ano em cédula de crédito
comercial, porquanto inexiste deliberação do Conselho Monetário Nacional a
respeito.
3. À luz das circunstâncias fáticas
verificadas pelo acórdão recorrido, não se vislumbrou nos recorrentes,
sobretudo na pessoa jurídica, a assunção da posição de destinatário final de
produtos ou serviços a autorizar a incidência das normas protetivas do
consumidor, notadamente a limitação da multa contratual prevista no art. 52, §
1º, do CDC, conclusão infensa à valoração desta Corte, nos termos das Súmulas 5
e 7.
4. "A legislação sobre
cédulas de crédito rural, comercial e industrial admite o pacto de
capitalização de juros" (Súmula n.º 93⁄STJ).
5. Admite-se a comissão de
permanência durante o período de inadimplemento contratual, à taxa média dos
juros de mercado, limitada ao percentual fixado no contrato (Súmula nº
294⁄STJ), desde que não cumulada com a correção monetária (Súmula nº 30⁄STJ),
com os juros remuneratórios (Súmula nº 296⁄STJ) e moratórios, nem com a multa
contratual.
6. Recurso especial conhecido em
parte e, na extensão, provido.
(REsp 468.887⁄MG, Rel. Ministro
LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 04⁄05⁄2010, DJe 17⁄05⁄2010)
-------------------------------------------------------------------------------------------------------
4.3. Não
se olvida que o dinamismo e a complexidade das relações sócio-econômicas
levaram à necessidade de aprofundamento desses critérios, criando uma tendência
nova na jurisprudência, concentrada não apenas na figura do consumidor final
imediato, mas também na noção de vulnerabilidade, conforme o teor do art. 4º,
I, do CDC:
Art. 4º A Política Nacional das
Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos
consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus
interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a
transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes
princípios:
I - reconhecimento da
vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo;
A
vulnerabilidade é a pedra de toque do direito consumerista, mormente no que
tange aos contratos, podendo ser conceituada como "a situação permanente
ou provisória, individual ou coletiva, que fragiliza, enfraquece o sujeito de
direitos, desequilibrando a relação de consumo". (MARQUES, Claudia Lima. Op.
Cit. p. 73)
Nesse
diapasão, anota Fábio Ulhoa Coelho:
À Semelhança do contrato de
trabalho, o de consumo também é caracterizado por uma relação de fato. O
objetivo é igual: garantir a incidência das normas protetoras do contratante
débil, no caso, o consumidor.
[...]
Essas e outras regras do Código
de Defesa do Consumidor, em princípio, não se aplicam aos contratos sujeitos ao
regime civil e comercial. Recordo, contudo, que, no modelo
reliberalizante em construção, o regime de direito positivo próprio aos
negócios entre contratantes desiguais tem sido, na ordem jurídica
atualmente em vigor no Brasil, o do Código de Defesa do Consumidor.
[...]
Essa é a solução compatível com o
estágio atual de evolução no Brasil do direito privado dos contratos.
(COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Civil: contratos. 4 ed. São
Paulo; Saraiva, 2010, p. 79)
Surge,
então, a figura do consumidor por equiparação, prevista no art. 29 do CDC,
aplicável à pessoa jurídica que comprova a sua vulnerabilidade e cujo contrato
com o fornecedor encontra-se fora do âmbito de sua especialidade.
É o que
se extrai do art. 29 do CDC, inserto no capítulo referente às práticas
comerciais:
Art. 29. Para os fins deste
Capítulo e do seguinte, equiparam-se aos consumidores todas as pessoas
determináveis ou não, expostas às práticas nele previstas.
Recorrendo
mais uma vez ao magistério de Cláudia Lima Marques:
O art. 29 supera, portanto, os
estritos limites da definição jurídica de consumidor para imprimir uma
definição de política legislativa. Para harmonizar os interesses presentes no
mercado de consumo, para reprimir eficazmente os abusos de poder econômico,
para proteger os interesses econômicos dos consumidores finais, o legislador
colocou um poderoso instrumento nas mãos daquelas pessoas (mesmo agentes
econômicos) expostas às práticas abusivas. Estas, mesmo não sendo
"consumidores stricto sensu", poderão utilizar as normas
especiais do CDC, seus princípios, sua ética de responsabilidade social no
mercado, sua nova ordem pública, para combater as práticas comerciais abusivas.
(Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Editora Revista
dos Tribunais, 2010, p. 635)
Nesses
casos, este Tribunal Superior tem mitigado o rigor da concepção finalista do
conceito de consumidor, consoante se dessume dos seguintes julgados:
AGRAVO REGIMENTAL . AGRAVO DE
INSTRUMENTO. CONSUMIDOR. RELAÇÃO DE CONSUMO. CARACTERIZAÇÃO. DESTINAÇÃO FINAL
FÁTICA E ECONÔMICA DO PRODUTO OU SERVIÇO. ATIVIDADE EMPRESARIAL. MITIGAÇÃO DA
REGRA.
VULNERABILIDADE DA PESSOA
JURÍDICA. PRESUNÇÃO RELATIVA.
1. O consumidor
intermediário, ou seja, aquele que adquiriu o produto ou o serviço para
utilizá-lo em sua atividade empresarial, poderá ser beneficiado com a aplicação
do CDC quando demonstrada sua vulnerabilidade técnica, jurídica ou econômica
frente à outra parte.
2. Agravo regimental a que se
nega provimento.
(AgRg no Ag 1316667⁄RO, Rel.
Ministro VASCO DELLA GIUSTINA (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ⁄RS), TERCEIRA
TURMA, julgado em 15⁄02⁄2011, DJe 11⁄03⁄2011)
-------------------------------------------------------------------------------------------------------
ADMINISTRATIVO E CONSUMIDOR.
MULTA IMPOSTA PELO PROCON. LEGITIMIDADE. RELAÇÃO DE CONSUMO CARACTERIZADA. ART.
29 DO CDC.
1. Hipótese em que o Procon
aplicou à impetrante multa de R$ 3.441, 00, "levando em consideração a
publicação do anúncio não autorizado pelo Reclamante" (Auto Posto Boa
Esperança). A recorrente sustenta que não poderia ter sido autuada, pois o
serviço por ela prestado - publicidade em lista empresarial impressa - "é
classificado como insumo e não consumo".
2. Discutem-se, portanto, o
enquadramento da atividade desenvolvida pela impetrante como relação de consumo
e a conseqüente competência do Procon para a imposição de multa, por infração
ao Código de Defesa do Consumidor (CDC).
3. O CDC incide nas relações
entre pessoas jurídicas, sobretudo quando se constatar a vulnerabilidade
daquela que adquire o produto ou serviço, por atuar fora do seu ramo de
atividade.
4. De acordo com o art. 29 do
CDC, "equiparam-se aos consumidores todas as pessoas determináveis ou não,
expostas às práticas nele previstas". Nesse dispositivo, encontra-se um
conceito próprio e amplíssimo de consumidor, desenhado em resposta às
peculiaridades das práticas comerciais, notadamente os riscos que, in
abstracto, acarretam para toda a coletividade, e não apenas para os eventuais
contratantes in concreto.
5. A pessoa jurídica exposta à
prática comercial abusiva equipara-se ao consumidor (art. 29 do CDC), o que
atrai a incidência das normas consumeristas e a competência do Procon para a
imposição da penalidade.
6. Recurso Ordinário não provido.
(RMS 27.541⁄TO, Rel. Ministro
HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 18⁄08⁄2009, DJe 27⁄04⁄2011)
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DIREITO DO CONSUMIDOR. RECURSO
ESPECIAL. CONCEITO DE CONSUMIDOR. PESSOA JURÍDICA. EXCEPCIONALIDADE. NÃO
CONSTATAÇÃO NA HIPÓTESE DOS AUTOS. FORO DE ELEIÇÃO. EXCEÇÃO DE INCOMPETÊNCIA.
REJEIÇÃO.
- A jurisprudência do STJ tem
evoluído no sentido de somente admitir a aplicação do CDC à pessoa jurídica empresária
excepcionalmente, quando evidenciada a sua vulnerabilidade no caso concreto; ou
por equiparação, nas situações previstas pelos arts. 17 e 29 do CDC.
- Mesmo nas hipóteses de
aplicação imediata do CDC, a jurisprudência do STJ entende que deve prevalecer
o foro de eleição quando verificado o expressivo porte financeiro ou econômico
da pessoa tida por consumidora ou do contrato celebrado entre as partes.
- É lícita a cláusula de eleição
de foro, seja pela ausência de vulnerabilidade, seja porque o contrato cumpre
sua função social e não ofende à boa-fé objetiva das partes, nem tampouco dele
resulte inviabilidade ou especial dificuldade de acesso à Justiça.
Recurso especial não conhecido.
(REsp 684.613⁄SP, Rel. Ministra
NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 21⁄06⁄2005, DJ 01⁄07⁄2005, p. 530)
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AGRAVO REGIMENTAL- PESSOA
JURÍDICA - CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR - APLICAÇÃO - POSSIBILIDADE, NA
ESPÉCIE - DESTINATÁRIO FINAL E VULNERABILIDADE - CARACTERIZAÇÃO - ENTENDIMENTO
OBTIDO DA ANÁLISE DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO - IMPOSSIBILIDADE DE REEXAME
NESTA INSTÂNCIA ESPECIAL - INTELIGÊNCIA DA SÚMULA N. 7⁄STJ - CLÁUSULA DE
ELEIÇÃO DO FORO - DECLARAÇÃO DE NULIDADE - ENTENDIMENTO EM HARMONIA COM A
JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE - APLICAÇÃO DA SÚMULA N. 83⁄STJ - RECURSO IMPROVIDO.
(AgRg no Ag 1032259⁄MG, Rel.
Ministro MASSAMI UYEDA, TERCEIRA TURMA, julgado em 19⁄02⁄2009, DJe 12⁄03⁄2009)
Verifica-se,
assim, que, conquanto consagre o critério finalista para interpretação do
conceito de consumidor, a jurisprudência do STJ também reconhece a necessidade
de, em situações específicas, abrandar o rigor do critério subjetivo do
conceito de consumidor, para admitir a aplicabilidade do CDC nas relações entre
fornecedores e consumidores-empresários em que fique evidenciada a relação de
consumo.
5. A
exploração de atividade empresarial demanda que o empresário combine os fatores
de produção - constituídos pelo capital, insumos, mão-de-obra e tecnologia -,
contraindo e executando obrigações nascidas principalmente de contratos.
(COELHO, Fabio Ulhoa. Manual de Direito Comercial. 14 ed. São Paulo:
Saraiva,2003, p. 413)
Dessarte,
as empresas, sobretudo as pequenas e médias, recorrem com frequência ao fomento
mercantil, por ser "técnico-financeira e de gestão comercial"
de grande valia para que obtenham capital de giro. (PAES, Paulo Roberto
Tavares. Obrigações e Contratos Mercantis. Rio de Janeiro: Revista
Forense, 1999, p. 337)
Com
efeito, verifica-se que a ora recorrida não se insere em situação de
vulnerabilidade, porquanto não se apresenta como sujeito mais fraco, com
necessidade de proteção estatal, mas como sociedade empresária que, por meio da
pactuação livremente firmada com a recorrida, obtém capital de giro para
operação de sua atividade empresarial, não havendo, no caso, relação de
consumo:
RECURSO ESPECIAL - COMPETÊNCIA -
AÇÃO DE REVISÃO CONTRATUAL - EMPRESA REVENDEDORA DE VEÍCULOS - DESTINATÁRIA
INTERMEDIÁRIA - RELAÇÃO DE CONSUMO - NÃO CONFIGURAÇÃO - CLÁUSULA ELETIVA DE
FORO - VALIDADE - DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL - SÚMULA 83⁄STJ.
1 - Conforme orientação adotada
por esta Corte, a aquisição de bens ou a utilização de serviços, por pessoa
natural ou jurídica, com o escopo de implementar ou incrementar a sua atividade
negocial, não se reputa como relação de consumo e, sim, como uma atividade de
consumo intermediária. Por outro lado, a questão da hipossuficiência da empresa
recorrente em momento algum foi considerada pelas instância ordinárias, não
sendo lídimo cogitar-se a respeito nesta seara recursal, sob pena de indevida
supressão de instância.
2 - Assim sendo, na esteira da
jurisprudência deste Tribunal, a competência fixada pela cláusula de eleição de
foro deve ser observada. Incidência da Súmula 83⁄STJ.
3 - Recurso não conhecido.
(REsp 701370⁄PR, Rel. Ministro
JORGE SCARTEZZINI, QUARTA TURMA, julgado em 16⁄08⁄2005, DJ 05⁄09⁄2005, p. 430)
Nesse
passo, bem adverte Fábio Ulhoa Coelho, com remissões à doutrina de Paula
Forgioni, que, nos contratos mercantis, os contratantes são empresários que
exercem atividade econômica profissionalmente, sendo essencial "assegurar
a necessidade dos agentes econômicos de segurança e previsibilidade em suas
relações, a vinculação das partes à vontade declarada no contrato", por
isso as pactuações empresariais, mesmo quando se mostram decisões de gestão
empresarial equivocada, em regra, devem ser observadas, como resguardo à livre
concorrência e à dinamização da economia:
Consumidor, para a lei, é toda
pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como
destinatário final (CDC, art. 2º), e fornecedor, a pessoa física ou jurídica ou
ente despersonalizado que explora atividade de venda de produtos ou prestação
de serviços (art. 3º). Os conceitos são relacionais, no sentido de que somente
se considera consumidor o destinatário final de produtos ou serviços oferecidos
no mercado por quem explora a atividade econômica; do mesmo modo, só é
legalmente fornecedor aquele que desenvolve atividade econômica de venda de
bens ou prestação de serviços, direta ou indiretamente, aos seus destinatários
finais.
[...]
7.4. CONTRATO COMERCIAL
Nos contratos comerciais (mercantis
e empresariais), os contratantes são todos empresários, isto é, exercem
"profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou
circulação de bens ou serviços" (CC, art. 966).
[...]
Quando o vínculo negocial
aproxima dois sujeitos que se consideram juridicamente empresários, o contrato
submete-se a regime próprio.
[...]
Convém tratar dos contratos
comerciais em separado, no contexto da tecnologia jurídica dedicada à
exploração de atividades econômicas pelos particulares. Como ressalta Paula A.
Forgioni, há certos vértices específicos do sistema de direito comercial,
destinados a azeitar o fluxo das relações econômicas e aumentar o volume de
negócios. Entre os vértices do direito comercial, destaca a comercialista a
tutela do crédito, a necessidade dos agentes econômicos de segurança e
previsibilidade em suas relações, a vinculação das partes à vontade declarada
no contrato e a importância do erro.
Quanto a este último vértice,
vale a pena atentar à lição de Paula A. Forgioni. Para ela, "aspecto
inerente ao funcionamento do sistema de direito comercial está relacionado ao erro
do empresário. Os agentes econômicos algumas vezes adotam estratégias
equivocadas, e esses enganos são previstos e desejados pelo sistema
jurídico, na medida em que, diferenciando os agentes, permitem o
estabelecimento do jogo concorrencial (...). Ou seja, é a diferença entre as
estratégias adotadas pelos agentes econômicos e entre os resultados obtidos
(uns melhores, outros piores) que dá vida a um ambiente de competição (porque
todos buscam o prêmio do maior sucesso, da adoção da estratégia mais eficiente)".
Alerta, ademais: "um ordenamento que - em nome da proteção do agente
econômico mais fraco - neutralize demasiadamente os efeitos nefastos do erro do
empresário pode acabar distorcendo o mercado e enfraquecendo a tutela do
crédito. Em termos bastante coloquiais, o remédio erradicaria a doença, mas
também mataria o doente... Seria, por assim dizer, a condenação da busca pela
vantagem competitiva" (Forgioni, 2003).
Esses vértices do direito
comercial, responsáveis, em última análise, pela dinamização e enriquecimento
da economia de um país, informam a compreensão dos negócios entre os
empresários e não podem, por isso, ser ignorados na adequada interpretação do
direito aplicável e das cláusulas ajustadas entre as partes. Quando a ordem
jurídica cria mecanismos para poupar os consumidores das consequências de seus
erros - como, por exemplo, o direito de arrependimento nos atos de consumo
levados a efeito no contexto de práticas de marketing agressivo (CDC,
art. 49) -, manifesta salutar preocupação com a vulnerabilidade desses
contratantes. Mas não pode aproveitar mecanismos como estes na disciplina dos
contratos comerciais. Se o empresário for constantemente poupado de seus erros,
a concorrência empresarial será distorcida, com sérios prejuízos para a
economia. Além de não contribuir para a formação de uma elite empresarial
preparada, a desconsideração, pelo direito dos contratos, das exigências
típicas da relação comercial importará a frustração das recompensas que compõem
o jogo competitivo do capitalismo. Quer dizer, se os melhores empresários não
forem premiados, segundo a lógica capitalista, pela competência manifestada em
suas decisões, a estrutura econômica da livre iniciativa não estará
adequadamente protegida pela lei. Os investidores tendem a direcionar seus
capitais para os países em que o direito comercial tem sua função bem
compreendida, prestigiada e cumprida. (COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito
Civil: contratos. 4 ed. São Paulo; Saraiva, 2010, ps. 79-83)
6. Cabe
mencionar, por fim, que, embora o contrato em apreço não se caracterize como
mútuo e a recorrida não seja instituição financeira, mutatis mutandis,
este Colegiado, em recente precedente, decidiu que nas operações para obtenção
de capital de giro, não são aplicáveis as disposições da legislação
consumerista, visto que não se vislumbra na empresa que obtém o aludido capital
a figura do consumidor:
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO
ESPECIAL. ARRENDAMENTO MERCANTIL. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO AOS FUNDAMENTOS DA
DECISÃO AGRAVADA. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 182⁄STJ.
1. A agravante não impugnou, como
seria de rigor, todos os fundamentos da decisão ora agravada, circunstância que
obsta, por si só, a pretensão recursal, porquanto aplicável o entendimento
exarado na Súmula 182 do STJ, que dispõe: "É inviável o agravo do art. 545
do Código de Processo Civil que deixa de atacar especificamente os fundamentos
da decisão agravada."
2. Nas operações de mútuo
bancário para obtenção de capital de giro, não são aplicáveis as disposições da
legislação consumerista, uma vez que não se trata de relação de consumo, pois
não se vislumbra na pessoa da empresa tomadora do empréstimo a figura do
consumidor final, tal como prevista no art. 2º , do do Código de Defesa do
Consumidor.
3. Dissídio jurisprudencial não
demonstrado. Relativamente à variação cambial pelo dólar, incide na espécie o
enunciado sumular nº 83 desta Corte Superior.
4. Agravo regimental não provido,
com aplicação de multa.
(AgRg no REsp 956.201⁄SP, Rel.
Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 18⁄08⁄2011, DJe
24⁄08⁄2011)
Outrossim,
a Terceira Turma, em precedente relatado pelo Ministro Carlos Alberto Menezes
Direito, invocado por paradigma pela recorrente, admitiu a aplicação de
dispositivos do CDC à avença firmada, justamente pelo fato - bem demonstrado
naquele aresto -, de o contrato, apreciado naquele aresto, ter-se distanciado
do contrato de factoring.
A decisão
tem a seguinte ementa:
Código de Defesa do Consumidor:
artigos 3°, § 2°, e 6°, V. Factoring. Contrato de financiamento entre a empresa
faturizadora e a adquirente do bem. Reajustamento pela variação cambial.
Precedente da Corte.
1. O contrato de financiamento
entre a empresa faturizadora e a adquirente do bem, distinto do contrato de
factoring, está alcançado pelo art. 3°, § 2°, do Código de Defesa do
Consumidor.
2. A brusca variação da cotação
do dólar, na oportunidade de que cuida o presente feito, configura fato superveniente
forte o suficiente para provocar a incidência do art. 6°, V, do Código de
Defesa do Consumidor, configurada a onerosidade excessiva.
3. Recurso especial não
conhecido.
(REsp 329.935⁄MG, Rel. Ministro
CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, TERCEIRA TURMA, julgado em 26⁄08⁄2002, DJ
25⁄11⁄2002, p. 229)
No
mencionado precedente, relatado pelo saudoso Ministro Carlos Alberto Menezes
Direito, Sua Excelência dispôs:
A recorrida ajuizou ação
ordinária de nulidade de cláusula contratual alegando que celebrou com a ré,
ora recorrente, empresa de factoring um contrato de financiamento
de veículo no valor de R$ 12.000,00, para pagamento em 36 prestações
mensais e sucessivas de R$ 370,66, dando como entrada R$ 2.400,00; sem qualquer
aviso, a ré converteu o valor em reais para dólar, correspondentes na época a
US$ 333,74752, com o que elevou a prestação para R$ 700,00; diante do fato,
pede a autora que seja aplicado o art. 6°, V, do Código de Defesa do
Consumidor. A sentença entendeu que a devedora foi injustamente onerada
diante do fato superveniente da inesperada e repentina elevação da cotação do
dólar americano, julgando procedente o pedido para determinar que o
reajustamento seja feito pelo INPC a partir da prestação vencida em 05⁄02⁄99. O
Tribunal de Alçada de Minas Gerais desproveu a apelação. Para o Tribunal de
origem a atualização pela variação cambial não autoriza a aplicação da teoria
da imprevisão, mas, no caso, houve aumento que provocou onerosidade excessiva,
a justificar a manutenção da sentença. Os embargos de declaração foram
rejeitados.
O primeiro combate do especial é
para afastar a incidência do Código de Defesa do Consumidor. A empresa
recorrente esclarece que, como empresa de factoring, adquiriu da
concessionária, que é a vendedora do veículo, com o assentimento da compradora,
o faturamento (duplicata) representado pelo saldo do preço do veículo vendido à
recorrida, a qual, em conseqüência, assumiu a obrigação de pagar, em
prestações, "até o montante em que foi exonerada pela recorrente
perante a concessionária, a parcela da dívida daquela, originária de
recursos advindos do exterior, fazendo-o pelo seu contravalor em moeda corrente
nacional, apurado conforme a taxa de venda do dólar comercial
norte-americano, informada pelo Banco Central do Brasil (cláusulas 1 a 5, fls
10v. TA)". Insiste a recorrente em afirmar que se trata de contrato de
factoring, não existindo relação direta de aquisição ou
utilização de produto ou serviço entre a empresa de factoring e a
compradora do veículo, ocorrendo, apenas, a relação entre aquela e a
concessionária, desenvolvendo-se o serviço de crédito a favor da concessionária
e não a favor da recorrida. Esclarece a recorrente que "o contrato de factoring
é aquele em que um comerciante (no caso, a Vendedora), cede a outro (no
caso, a recorrente), os créditos, na totalidade ou em parte, de suas vendas a
terceiros (no caso, a recorrida), recebendo o primeiro do segundo o montante
desses créditos, mediante o pagamento de sua remuneração (FRAN MARTINS, in
"Contratos e Obrigações Comerciais", 9ª ed., For.⁄88, p. 559)".
A construção apresentada é
engenhosa. De fato, na faturização existe mesmo uma administração de créditos,
uma relação entre o factor e a empresa faturizada. Há, portanto, um verdadeiro
contrato de serviço entre as duas empresas. Ocorre que se o contrato de
faturização se dá entre a faturizadora e o empresário, faturizado, casos há em
que, nitidamente, outra relação jurídica nasce entre a empresa faturizadora e o
adquirente do bem, o qual passa a responder pela dívida perante a empresa
faturizadora que, por seu turno, responde pelo contrato de financiamento
àquele. Tanto assim é que o contrato, dito de assunção parcial de dívidas e
obrigações, novação e outras avenças é feito diretamente entre a empresa de
faturização e o devedor adquirente, que recebe o financiamento daquela para
pagamento de acordo com o contratado, no caso, a dívida de R$ 9.600,00 para
pagamento de 36 parcelas de R$ 370,66, com índice de correção pelo dólar
americano, vencida a primeira em 05⁄01⁄98 e a última em 05⁄01⁄01. Ora, há, sem
dúvida, um contrato de financiamento que se desenvolve entre a faturizadora e a
compradora do veículo, contrato este que é distinto do contrato mesmo de factoring,
ou seja, aquele existente entre a faturizadora e a faturizada. Sobre a
natureza do contrato de factoring, na perspectiva da possibilidade de
cobrar juros praticados pelas instituições financeiras, considerando o estágio
legislativo de então, votei quando do julgamento do REsp nº 119.705-RS, Relator
o Senhor Ministro Waldemar Zveiter, (DJ de 29⁄6⁄98), concluindo por
afastar as empresas de factoring do âmbito do sistema financeiro.
De fato, naquela ocasião, afirmei:
"Está, pois, bem claro que a
empresa de factoring não é uma instituição financeira e que para o seu
funcionamento não se exige a autorização do Banco Central do Brasil. Não há
falar em atividade bancária no factoring. Vale anotar que a Lei n°
8.981⁄95, que alterou a legislação tributária federal, conceituou o factoring
como a 'prestação cumulativa e contínua de serviços de assessoria creditícia,
mercadológica, gestão de crédito, seleção e riscos, administração de contas a
pagar e a receber, compras de direitos creditórios resultantes de vendas
mercantis a prazo ou de prestação de serviços' (art. 28, § 1°, alínea c),
item 4). Fica claro, a meu juízo, que, de fato, não há vinculação entre o
contrato de factoring e as atividades desenvolvidas pelas instituições
financeiras, ainda que estas possam desempenhar algumas das atividades
relacionadas na lei. Essa conclusão leva a uma discussão sobre a remuneração do
factor, ou seja, a contraprestação pelos riscos assumidos e pela gestão do
crédito, que inclui os juros, dentre outros elementos."
Na verdade, a relação entre a
empresa de factoring e a faturizada configura serviço de administração
de crédito e outros. Todavia, a faturizadora pode, como no caso, e tal é
inquestionável, realizar um contrato de financiamento com a adquirente do bem,
distinto, portanto, do contrato de factoring propriamente dito. É
uma outra relação jurídica e nesta há, de fato, contrato de financiamento, com
indicação de reajuste de parcelas. E este contrato de financiamento entre a
faturizadora e a compradora do bem configura uma relação de consumo, provocando
a incidência do art. 3º, § 2º, do Código de Defesa do Consumidor.
7. Diante
do exposto, nego provimento ao recurso especial.
É como
voto.
CERTIDÃO DE JULGAMENTO
QUARTA TURMA
Número Registro: 2007⁄0075055-2
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PROCESSO ELETRÔNICO |
REsp 938.979 ⁄ DF
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Números Origem:
20010110219213 20010110510926
PAUTA: 19⁄06⁄2012
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JULGADO: 19⁄06⁄2012
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Relator
Exmo. Sr. Ministro LUIS
FELIPE SALOMÃO
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro LUIS FELIPE
SALOMÃO
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. ANTÔNIO CARLOS
PESSOA LINS
Secretária
Bela. TERESA HELENA DA ROCHA
BASEVI
AUTUAÇÃO
RECORRENTE
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:
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CROI - CENTRO DE REABILITAÇÃO
ORAL INTEGRADO LTDA
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ADVOGADO
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:
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AUCELI ROSA DE OLIVEIRA E
OUTRO(S)
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RECORRIDO
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:
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PRIMUS FACTORING FOMENTO
MERCANTIL LTDA
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ADVOGADO
|
:
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TRISTANA CRIVELARO SOUTO E
OUTRO(S)
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ASSUNTO: DIREITO CIVIL -
Obrigações - Espécies de Contratos
CERTIDÃO
Certifico que a egrégia QUARTA
TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data,
proferiu a seguinte decisão:
A Quarta Turma, por unanimidade,
negou provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Senhor Ministro
Relator.
Os Srs. Ministros Raul Araújo,
Maria Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira e Marco Buzzi votaram com o Sr.
Ministro Relator.
Documento: 1157484
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Inteiro
Teor do Acórdão
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- DJe: 29/06/2012
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