quinta-feira, 10 de maio de 2012

O STJ bloqueou verba da Advocacia Geral da União, para garantir o fornecimento de remédios a dois cidadãos gaúchos.





















Luiz Carlos Nogueira


















Para garantir o fornecimento de medicamentos a dois cidadãos gaúchos, o presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ),  ministro Ari Pargendler, manteve a decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4ª) que havia confirmado as sentenças do Juízo Federal de primeira instância,  que bloquou recursos  (verbas) no orçamento da Advocacia Geral da União (AGU), no valores de R$ 41.585,94 e R$ 45.246,00, respectivamente, não obstante a União haver contestado as decisões, sob o argumento de que o fornecimento de remédios é de competência do Ministério da Sáude, e que ela, a AGU apenas exerce a função de representá-la judicialmente.


Toda a controvérsia resultou de duas ações de obrigação de dar, ajuizadas contra a União Federal, nas quais os dois autores pleitearam o fornecimento de medicamentos de que necessitam.


Como houve descumprimento das ordens judiciais, o vice-presidente do TRF4ª determinou que se fizessem juntada de três orçamentos informativos dos custos dos medicamentos, para que se  pudesse determinar o bloqueio  das importâncias necessárias para atender o tratamento dos dois pacientes,  já que conforme disse o magistrado do TRF4: “Em   todas   as   manifestações   acostadas,   a   União   limita-se  a informar que dará prosseguimento ao procedimento de compra e que está em vias de fornecer o medicamento, sem dar efetividade à garantia assegurada judicialmente ao demandante”


É de se ressaltar o que o ministro Pargendler enfatizou na decisão: “Não    jurisdição  sem  efetividade;  em  outras  palavras,  o Judiciário  é  inútil  se  não  tem  força  para  fazer  cumprir  suas decisões.”


 Disse ainda, o ministro, que não obstante a AGU tenha aparente razão, porque se diz apenas responsável pela representação judicial dos três poderes da república, e que por isso não pode ter suas verbas sequestradas para atender encargos de outros órgãos que não lhes são afetos, como no caso — O Ministério da Saúde, ainda assim, a eventual suspensão das decisões do TRF4 seria reconhecer que o Poder Executivo só cumpre as decisões do Judiciário — quando quer.



Veja a seguir, a decisão do presidente do STJ, na íntegra:




Superior    Tribunal    de Justiça


SUSPENSÃO  DE  LIMINAR  E  DE  SENTENÇA    1.570  -  RS  (2012/0090654-0)

REQUERENTE
: UNIÃO

REQUERIDO
: TRIBUNAL  REGIONAL  FEDERAL  DA  4A  REGIÃO
INTERES.
: MUNICÍPIO  DE  PORTO  ALEGRE
ADVOGADO
: CRITIANE  DA  COSTA  NERY
INTERES.
: CARLOS  VOLNEI
JOSENDE  NEMITZ
ADVOGADO
: DIANA  AMORIM  LORENZATTO  E  OUTRO(S)
INTERES.
: ESTADO  DO  RIO
GRANDE  DO  SUL
ADVOGADO
: CAROLINE  SAID
DIAS
INTERES.
: LUIZ  DORNELES
JACOBOSKI
ADVOGADO
: LUIZ  CARLOS  BUCHAIN


DECISÃO



1. Os autos dão conta de que Carlos Volnei Josende Nemitz ajuizou ação constitutiva de obrigação de dar contra a União e outros (fl. 46/68).

O MM. Juiz da 4ª Vara Federal Substituto de Porto Alegre, RS, Dr. Jurandi Borges Pinheiro julgou o pedido procedente "para determinar que forneçam tanto a União como o Estado do Rio Grande do Sul e o Município de Novo Hamburgo, ao autor, o medicamento arrolado sob o item c dos pedidos da exorial" (fl. 74).

Mantida a sentença pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, relator o Juiz Jorge Antônio Maurique (fl. 99/110), a União interpôs recursos especial (fl. 111/133) e extraordinário (fl. 134/155) - ambos sobrestados pelo Vice-Presidente daquele tribunal (fl. 159 e 160).

À vista da notícia de descumprimento da ordem judicial (fl. 173/174), o Vice-Presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região proferiu a seguinte decisão:

"Conforme já abordei em decisão anterior, e tal situação não foi revertida até o momento, constata-se que o medicamento a que faz jus a parte autora foi fornecido apenas até o mês de outubro de 2011 (fl. 537). Desde então, o autor busca ver implementada a determinação judicial no que se refere às próximas doses, porquanto necessita de tratamento contínuo, sem obter êxito.

A União já foi intimada a restabelecer o fornecimento da medicação, impondo-se multa diária de R$ 50,00 (cinquenta reais), e, ato contínuo, a multa restou majorada.

         Em todas   as   manifestações   acostadas,   a   União   limita-se  a informar que dará prosseguimento ao procedimento de compra e que está em vias de fornecer o medicamento, sem dar efetividade à garantia assegurada judicialmente ao demandante.

Na decisão da fl. 557 determinei a juntada de três orçamentos que demonstrassem o custo do medicamente, de forma a permitir o bloqueio da verba necessária ao tratamento do autor.

A  parte  autora  acostou  os  documentos  às  fls.  560-563.

Analisando os orçamentos, verifica-se que o tratamento de menor custo importa em R$ 41.585,94 (quarenta e um mil, quinhentos e oitenta e cinco reais e noventa e quatro centavos).

Destarte, determino o bloqueio de R$ 41.585,94 (quarenta e um mil, quinhentos e oitenta e cinco reais e noventa e quatro centavos), diretamente da União (AGU - CNPJ 26994558/0001-23).

Encaminhe-se esta decisão à Vara de origem para cumprimento, bem como para que, efetuado o bloqueio, sejam os valores imediatamente liberados à parte autora, que deverá prestar contas da importância recebida, no prazo de 10 (dez) dias.

Por fim, ressalto que, acaso a União cumpra espontaneamente a medida antes de ser liberada a importância acima referida, ficará sem efeito a determinação de bloqueio" (fl. 198/199).

2.       Com causa de pedir semelhante, Luiz Dorneles Jacoboski ajuizou ação constitutiva de obrigação de fazer contra a União (fl. 566/578), a qual teve o mesmo desfecho: julgado procedente o pedido (fl. 614/626) e mantida a sentença, quanto ao fornecimento da medicação, pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (fl. 627/638 e 651/657), os recursos especial e extraordinário estão sobrestados naquele tribunal. Noticiado o descumprimento da obrigação, o Vice-Presidente do tribunal a quo determinou o bloqueio de R$ 45.246,00 (quarenta e cinco mil, duzentos e quarenta e seis reais)
-       fl.  792/793  e  807.

3.         Seguiu-se o presente pedido de suspensão de liminar ajuizado pela União, alegando grave lesão à ordem pública, bem como flagrante ilegitimidade (fl. 01/09).

A  teor  da  petição:

"Ao se prever que as verbas do órgão de representação judicial da União, no âmbito de defesa de seus três poderes, acabem por estar vinculadas ao cumprimento de decisões judiciais que devem ser efetivadas por outro órgão, qual seja, o Ministério da Saúde,representa clara invasão ao processo de elaboração de lei orçamentária, pelo Judiciário.

Isso porque a decisão acaba por determinar que a União transfira recursos de uma categoria de programação para outra ou de um órgão para outro sem prévia autorização legislativa, o que é vedado pela Constituição da República (art. 167, inciso VI, da CRFB), e ocasiona um desequilíbrio fiscal, ofendendo assim a ordem político-administrativa. É ler:

.........................................................

Percebe-se, assim, que a decisão vem afrontar diametralmente a lei orçamentária anual, Lei nº 12.595, de 19.01.2012, que veio estimar a receita da União para o exercício financeiro de 2012, distribuindo-a entre os seus poderes e órgãos, além de representar, por via transversa, uma velada forma de enfraquecer a defesa da União.

Não se pode perder de vista que a Advocacia-Geral da União, nos termos do art. 131 da Constituição Federal, vem ser a instituição que, direta ou através de órgão vinculado, representa a União, judicial e extrajudicialmente, no âmbito de seus três poderes, Executivo, Legislativo e Judiciário. Assim, vincular o orçamento do órgão de representação judicial para cumprimento das obrigações de seus representados revela procedimento, no mínimo, incorreto e enfraquecedor da advocacia pública e, por consequência, de um dos pilares do Estado Democrático de Direito.

.........................................................

Percebe-se que, de forma diferente, mas com finalidade análoga, a decisão do TRF-4ª Região extrapola os limites da legalidade e transgride as prerrogativas dos membros da Advocacia-Geral da União. O desempenho das atividades profissionais sob preceitos éticos pelos integrantes da Advocacia-Geral da União não pode ser maculado por medidas coercitivas, indevidamente aplicadas por juízes, o que não implica que a União se esquive de suas obrigações legais e constitucionais.

Contudo, mesmo que não seja esse o entendimento a ser adotado, frontal seria a lesão, já mencionada, à norma disciplinada pelo art. 167, inciso VI, da Constituição; isso porque a decisão acaba por determinar que a União transfira recursos de um órgão para outro sem prévia autorização legislativa, Advocacia-Geral da União para o Ministério da Saúde. Do contrário, por ser órgão da União, até mesmo o orçamento do próprio Tribunal poderia ser bloqueado, o que  até se mostraria, adotando-se um raciocínio pragmático, mas
efetivo, diante da agilidade no cumprimento, do que as verbas da própria Advocacia-Geral da União" (fl. 04/08).

4.  Não    jurisdição  sem  efetividade;    em  outras  palavras,  o Judiciário  é  inútil  se  não  tem  força  para  fazer     cumprir  suas

decisões.

A  situação  sub  judice  é  emblemática.

Duas sentenças, confirmadas por tribunal regional federal, com recursos especial e extraordinário sobrestados à espera de pronunciamento do Supremo Tribunal Federal a respeito do direito à saúde, são objeto de extrema desconsideração por órgãos da União, com prejuízo aos autores da ação que necessitam dos medicamentos que lhes são sonegados.

Quid  ?

Aparentemente tem razão a Advocacia-Geral da União quando afirma que é responsável pela representação judicial dos três poderes do Estado, não podendo suas verbas ser sequestradas para atender necessidades a cargo de outros órgãos, na espécie o Ministério da Saúde.

Acontece que, nas palavras do Vice-Presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, Juiz Luiz Carlos de Castro Lugon,

"Determinado o bloqueio da importância necessária à continuidade do tratamento da parte recorrida (fl. 498), a magistrada a quo noticia não ter logrado êxito na diligência, porquanto ausente qualquer valor nas contas bancárias do Ministério da Saúde e do Fundo Nacional da Saúde" (fl. 807).

A suspensão dos efeitos de tal decisão que, ante esse fato surpreendente, procurou executar o acórdão de um modo possível implicaria o reconhecimento de que o Poder Executivo só cumpre os ditames do Judiciário quando quer, e - mais do que isso - que o Judiciário, na pessoa do Presidente do Superior Tribunal de Justiça, está de acordo com isso.

O apelo ao Poder Judiciário para reparar lesão a direito individual é ineliminável nos termos da Constituição, e o juiz fraudará sua missão se não ouvi-lo; a tanto se assimila o procedimento de quem reconhece o direito individual, mas se omite de dar-lhe efetividade.

Outra seria a solução, se a Advocacia-Geral da União induzisse o Ministério da Saúde a cumprir o julgado ou - quando menos – se indicasse outro meio de alcançar esse resultado. Indefiro, por isso, o pedido.

Intimem-se.

Brasília,  09  de  maio  de  2012.


MINISTRO  ARI  PARGENDLER
Presidente




























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