terça-feira, 21 de junho de 2011

O LOCADOR TEM O DIREITO DE DESISTIR DA ALIENAÇÃO DO SEU IMÓVEL PARA O LOCATÁRIO QUE FEZ OPÇÃO PELA COMPRA.


Por Luiz Carlos Nogueira

nogueirablog@gmail.com

O locatário que em razão do direito de preferência recebeu oferta de venda do imóvel pelo locador, embora tenha feito a opção pela compra, diante do arrependimento do locador, não tem o direito de lhe exigir a outorga da escritura definitiva de compra e venda do imóvel. Foi como entendeu, por unanimidade, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, sob o fundamento de que a lei não dá ao locatário esse direito.

Nesse caso, pode o locador propor ação de despejo por denúncia vazia contra o locatário.

A ministra Nancy Andrighi, que foi relatora do processo, afirmou que o direito de preferência do locatário lhe assegura a primazia na aquisição do imóvel, desde que em igualdade de condições com terceiros interessados. Para efeito de alienação do imóvel, o locador tem o dever legal de comunicar sua intenção, bem como de informar ao locatário todas as condições exigidas para a realização do negócio. Mas, ainda que o locatário tenha manifestado pela aceitação da proposta, o locador pode desistir de vender o imóvel, assumindo a responsabilidade por eventuais prejuízos que o locatário venha a sofrer por conseqüência do seu arrependimento. E ainda disse que se locador houvesse preterido o inquilino em função de outros interessados, nesse caso o locatário poderia pedir adjudicação compulsória do imóvel, porquanto tal preterição estaria violando o direito de preferência e o princípio da boa-fé objetiva.

CONHEÇA O TEOR DA DECISÃO:

RECURSO ESPECIAL Nº 1.193.992 - MG (2010⁄0086976-0)

RELATORA

:

MINISTRA NANCY ANDRIGHI

RECORRENTE

:

JOÃO EVANGELISTA FANE PINTO E OUTROS

ADVOGADO

:

SILVIO DE ASSIS MARINHO FILHO E OUTRO(S)

RECORRIDO

:

MOACIR MARCOS DA CUNHA VALENTIM

ADVOGADO

:

IVAN SÉRGIO PORCARO

EMENTA

DIREITO CIVIL. LOCAÇÃO. AÇÃO DE DESPEJO POR DENÚNCIA VAZIA. EXISTÊNCIA DE PROPOSTA DE VENDA DO IMÓVEL LOCADO. ACEITAÇÃO DO LOCATÁRIO. DISCUSSÃO EM TORNO DAS QUESTÕES RELACIONADAS À DESISTÊNCIA DO NEGÓCIO PELO LOCADOR. IMPOSSIBILIDADE.

1. A partir do momento em que o locatário manifesta, dentro do prazo legal, a sua aceitação à proposta, a confiança gerada acerca da celebração do contrato pode ser ofendida pelo locador de duas formas: (i) o locador pode desistir de vender o seu imóvel, aplicando-se o disposto no art. 29 da Lei 8.245⁄91; (ii) o locador pode preterir o locatário e realizar o negócio com terceiro, hipótese em que incide a regra do art. 33 da Lei 8.245⁄91 – que confere ao locatário, cumprida as exigências legais, a faculdade de adjudicar a coisa vendida.

2. Aceita a proposta pelo inquilino, o locador não está obrigado a vender a coisa ao locatário, mas a desistência do negócio o sujeita a reparar os danos sofridos, consoante a diretriz do art. 29 da Lei 8.245⁄91.

3. A discussão acerca da má-fé do locador – que desistiu de celebrar o negócio – não inviabiliza a tutela do direito buscado pelo locador por meio da ação de despejo, porque a Lei 8.245⁄91 não conferiu ao locatário o poder de compelir o locador a realizar a venda do imóvel, cabendo-lhe somente o ressarcimento das perdas e danos resultantes da conduta do locador.

4. Recurso especial provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros Massami Uyeda, Sidnei Beneti e Paulo de Tarso Sanseverino votaram com a Sra. Ministra Relatora.

Brasília (DF), 02 de junho de 2011(Data do Julgamento)

MINISTRA NANCY ANDRIGHI, Relatora

RECURSO ESPECIAL Nº 1.193.992 - MG (2010⁄0086976-0)

RECORRENTE

:

JOÃO EVANGELISTA FANE PINTO E OUTROS

ADVOGADO

:

SILVIO DE ASSIS MARINHO FILHO E OUTRO(S)

RECORRIDO

:

MOACIR MARCOS DA CUNHA VALENTIM

ADVOGADO

:

IVAN SÉRGIO PORCARO

Relatora: MINISTRA NANCY ANDRIGHI

RELATÓRIO

Cuida-se de recurso especial interposto por JOÃO EVANGELISTA FANE PINTO E OUTROS, com fundamento na alínea "a" do permissivo constitucional.

Ação: despejo por denúncia vazia, ajuizada pelos recorrentes em face de MOACIR MARCOS DA CUNHA VALENTIM – recorrido que desocupou o imóvel no prazo concedido.

Sentença: julgou procedente o pedido, para declarar rescindido o contrato de locação e decretar o despejo.

Acórdão: deu provimento à apelação interposta pelo recorrido, sob o fundamento de que, uma vez regularmente aceita a proposta de venda do imóvel, o locador está vinculado a seus termos, não podendo ajuizar ação de despejo por denúncia vazia, porque viola o direito de preferência do locatário por via oblíqua. Confira-se a ementa (e-STJ fl. 115):

DESPEJO - DENÚNCIA VAZIA - PRÉVIO ENVIO DE CARTA DE PREFERÊNCIA PARA COMPRA DO IMÓVEL - ACEITAÇÃO DA PROPOSTA - VINCULAÇÃO DO LOCADOR - DESPEJO AJUIZADO COM INTUITO DE SE FURTAR À CONCLUSÃO DO NEGÓCIO - IMPOSSIBILIDADE - PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA. - Enviada pelo proprietário carta de preferência ao locatário para compra do imóvel locado e aceita a proposta, fica o locador vinculado ao cumprimento daquelas condições, não podendo vir a alterar a proposta e nem promover ação de Despejo por denúncia vazia com o intuito de se furtar à obrigação assumida, o que viola o princípio da boa-fé objetiva.

Recurso especial: alega violação do art. 57 da Lei 8.245⁄91, além de dissídio jurisprudencial. Sustenta que: i) nos contratos de locação por prazo indeterminado, é autorizado ao locador a retomada do seu imóvel, sem a necessidade de explicitar os seus motivos – desde que o locatário seja notificado com 30 dias de antecedência; ii) a eventual preterição do direito de preferência do locatário não pode ser examinada em ação de despejo.

Prévio juízo de admissibilidade: o TJ⁄MG admitiu o recurso especial (e-STJ fl. 147), determinando a subida dos autos ao STJ.

É o relatório.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.193.992 - MG (2010⁄0086976-0)

RELATORA

:

MINISTRA NANCY ANDRIGHI

RECORRENTE

:

JOÃO EVANGELISTA FANE PINTO E OUTROS

ADVOGADO

:

SILVIO DE ASSIS MARINHO FILHO E OUTRO(S)

RECORRIDO

:

MOACIR MARCOS DA CUNHA VALENTIM

ADVOGADO

:

IVAN SÉRGIO PORCARO

Relatora: MINISTRA NANCY ANDRIGHI

VOTO

I - Da delimitação da controvérsia

Cinge-se a controvérsia a determinar se é possível discutir, na ação de despejo fundada em denúncia vazia, questões relativas à conduta do locador que – após o inquilino ter aceitado a proposta de alienação do imóvel locado – desiste de realizar a venda, resilindo unilateralmente o contrato.

II - Do prequestionamento

Preliminarmente, verifico que, a despeito de o TJ⁄MG não ter mencionado expressamente o dispositivo legal tido por violado, esse constou da sentença e a matéria nele contida foi abordada, ainda que sucintamente, pelo acórdão recorrido, de modo que deve se admitir o seu prequestionamento implícito.

III - Da possibilidade de discutirem-se, na ação de despejo fundada em denúncia vazia, as questões relacionadas à desistência do locador em realizar o negócio. Violação do art. 57 da Lei 8.245⁄91.

O direito de preferência do locatário – disciplinado nos arts. 27 a 34 da Lei de Locação – assegura ao inquilino a preferência na aquisição do imóvel locado, em igualdade de condições com terceiros, devendo o locador dar - lhe conhecimento da sua intenção de alienar o imóvel locado e de todas as informações referentes ao negócio jurídico pretendido.

A partir do momento em que o locatário manifesta, dentro do prazo legal, a sua aceitação à proposta, a confiança gerada acerca da celebração do contrato pode ser ofendida pelo locador de duas formas:

  1. o locador pode desistir de vender o seu imóvel, aplicando-se o disposto no art. 29 da Lei 8.245⁄91;
  2. o locador pode preterir o locatário e realizar o negócio com terceiro. Nesta hipótese, incide a regra do art. 33 da Lei 8.245⁄91 que confere ao locatário, cumprida as exigências legais, a faculdade de adjudicar a coisa vendida.

Da análise do acórdão recorrido, infere-se que não houve efetiva venda do imóvel a terceiros pelo locador, mas apenas a denúncia da locação por prazo indeterminado, após o locatário aceitar a proposta de venda do imóvel.

Nesse contexto, de acordo com o art. 29 da Lei 8.245⁄91, ocorrendo aceitação da proposta, pelo locatário, a posterior desistência do negócio pelo locador acarreta, a esse, responsabilidade pelos prejuízos ocasionados, inclusive lucros cessantes.

A Lei optou, portanto, em não conferir ao locatário – diante do arrependimento do locador – a possibilidade de exigir a outorga da escritura definitiva de compra e venda. Assim, aceita a proposta pelo inquilino, o locador não está obrigado a vender o imóvel ao locatário, mas a desistência do negócio o sujeita a reparar os danos sofridos.

Cabe ainda destacar que, nos termos do art. 57 da Lei 8.245⁄91, o locador – nas locações não residenciais por prazo indeterminado – possui o direito potestativo de denunciar a locação e resilir unilateralmente o contrato, sem necessidade de justificativa, desde que notifique previamente o locatário.

Estabelecidas essas considerações, pode-se concluir que a discussão acerca da má-fé do locador – que desistiu de celebrar o negócio – não inviabiliza a tutela do direito buscado pelo locador por meio da ação de despejo, pois a Lei 8.245⁄91 não conferiu ao locatário o poder de compelir o locador a realizar a venda do imóvel, cabendo-lhe somente o ressarcimento das perdas e danos resultantes da conduta do locador.

Por essa razão, é irrelevante, para a defesa do réu da ação de despejo, a questão do arrependimento do locador em realizar o negócio, porque ela somente terá importância para a obtenção da tutela ressarcitória pelo locatário.

A essas considerações cabe ainda ressaltar que, na hipótese, eventual direito à adjudicação compulsória em virtude de posterior alienação do imóvel – efetuada com violação do direito de preferência e do princípio da boa-fé objetiva – deve ser discutido em ação própria.

Forte nesses razões, DOU PROVIMENTO ao recurso especial, para restabelecer a sentença proferida pelo juízo do primeiro grau de jurisdição.

CERTIDÃO DE JULGAMENTO

TERCEIRA TURMA

Número Registro: 2010⁄0086976-0


PROCESSO ELETRÔNICO

REsp 1.193.992 ⁄ MG

Números Origem: 10439080847189 10439080847189002

PAUTA: 02⁄06⁄2011

JULGADO: 02⁄06⁄2011

Relatora

Exma. Sra. Ministra NANCY ANDRIGHI

Presidente da Sessão

Exmo. Sr. Ministro MASSAMI UYEDA

Subprocurador-Geral da República

Exmo. Sr. Dr. MAURÍCIO VIEIRA BRACKS

Secretária

Bela. MARIA AUXILIADORA RAMALHO DA ROCHA

AUTUAÇÃO

RECORRENTE

:

JOÃO EVANGELISTA FANE PINTO E OUTROS

ADVOGADO

:

SILVIO DE ASSIS MARINHO FILHO E OUTRO(S)

RECORRIDO

:

MOACIR MARCOS DA CUNHA VALENTIM

ADVOGADO

:

IVAN SÉRGIO PORCARO

ASSUNTO: DIREITO CIVIL - Obrigações - Espécies de Contratos - Locação de Imóvel - Despejo por Denúncia Vazia

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A Turma, por unanimidade, deu provimento ao recurso especial, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros Massami Uyeda, Sidnei Beneti e Paulo de Tarso Sanseverino votaram com a Sra. Ministra Relatora.

Documento: 1066317

Inteiro Teor do Acórdão

- DJe: 13/06/2011

A presente decisão poderá ser acessada pelo link abaixo:

https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSeq=1066317&sReg=201000869760&sData=20110613&formato=HTML






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